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out 22, 2010 - Poligrafia    No Comments

Nessa situação, o paradigma é falso…

Não o conheço; nunca o vi de perto. O Sr. José de Alencar, empresário mineiro, vice-presidente da república, cuja doença é divulgada com detalhes pela mídia, foi elevado à categoria de herói, em face da bravura com a qual enfrenta e combate o mal que o consome. É o que dizem…

Um dos compromissos políticos da primeira candidata da situação, Sra. Dilma Rousseff, em 11/9/2010, foi visitar o Sr. José de Alencar então internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ao sair da visita, diante da idiotia midiática, declarou estar muito emocionada ao ver a “feição extremamente saudável” de Alencar, e arrematou: “Ele é um guerreiro, não vai se entregar”.

Não comentarei a ignorância médica da candidata, que, sendo quem é, devia ter a discrição de nada comentar acerca do estado de saúde do paciente. Portanto, de mim, nenhuma palavra sobre o prognóstico de José de Alencar!

Mas, o caso extrapola o âmbito médico, para suscitar uma relação sócio-econômica, que pode e dever ser comentada. Veja bem, o paciente é empresário, dono de grandes haveres, além de ser o vice-presidente da republica, com as regalias decorrentes da função que ocupa.

Adoeceu em Brasília, toma-se o avião da vice-presidência e voa para São Paulo. Pousa na base aérea, da Aeronáutica, onde um helicóptero o espera. Toma-o e decola para o heliporto do Hospital Sírio-Libanês, onde uma equipe de especialistas médicos está de prontidão, para atendê-lo. Chegando ao hospital vai direto para a suíte, ou para a UTI, porque a vaga já esta reservada. Faz, no mesmo instante, todos os exames, do simples hemograma a mais sofisticada ressonância magnética, e não precisa esperar para receber os resultados, porque os médicos se incumbem de obtê-los.

Sem nenhuma demora, inicia-se a terapêutica indicada, com drogas e procedimentos de última geração. Conforto, atenção, prontidão… Se for necessário ir aos Estados Unidos, o avião está abastecido e a tripulação a postos. Hospital e médicos lá avisados, para recebê-lo. Embaixada e Consulado à sua disposição, para desembaraçar o que for necessário!

Vamos à antítese… Se o Sr. Alencar não fosse quem é e necessitasse acordar às 4 da manhã para enfrentar a fila no SUS, se deparar com a indiferença de funcionários e de médicos, amargar a demora para conseguir fazer exames complementares, sem acesso à medicação e a procedimentos de alto custo, resistiria o quanto tem resistido? Seria o herói que é? Se isso acontecesse, o mérito não era da moderna medicina, era de um milagre. Alencar, não seria um herói, seria um santo!

Mas, como as coisas não são assim, malgrado o seu otimismo contagiante, ele resiste porque tem as condições para resistir, e, nessa situação, o paradigma é falso…

Fernando Guedes

18/10/2010

out 16, 2010 - Poligrafia    No Comments

Brasil inzoneiro…

Há um equívoco nesse superficial juízo de que Lula, esse que aí está, que bebe Romanée-Conti e fuma Partagas, seja o produto de um movimento popular, que, pelo rompimento com o establishment, põe no poder figuras inesperadas… Não, Lula é o produto de outro fenômeno.

Essa coisa das “diretas já”, como um movimento revolucionário, só existe na retórica parlamentar dos Pinheiros Machados do presente. O que aconteceu, naquela ridícula eleição de Tancredo, foi a consumação de traições e de alianças oportunistas. Na última hora, políticos que passaram toda a ditadura bajulando os militares, servindo-lhes com subserviência, se transmutaram, não sei por qual prodígio, em “valorosos democratas” empenhados em salvar a Pátria… Nisto, exatamente nisto, toda a síntese dessa democratização consentida pelas forças militares.

Depois de Sarney, vice de Tancredo, que teve a felicidade de se encontrar com soberana dos sinistros impérios de além-mundo antes da posse, veio Collor, que hoje apóia quem o rejeitou, para engendrar Lula. Ali, no meio daquela elite inconseqüente, estavam FHC e toda a esquerda política e “intelectual”. Hoje, essa mesma elite que fabricou Lula, dando-se conta da rasteira recebida, o rejeita, com inveja dos 50 anos de poder que ele projeta para a sua turma.

Lula, filho do Brasil: nova fraude, de novos integrantes da velha elite… Quererão beatificá-lo, quem sabe arranjar-lhe uma vaga no hagiológio paulista…

Mas, embora sem buscá-la, a encruzilhada se apresenta ao eleitor nesse segundo turno: sendo Serra o segundo candidato da situação, uma espécie de sombra da primeira candidata da mesma situação, prometendo manter todos os programas de Lula, que são os mesmos de Dilma, para que votar nele? Que desgraça política: tanto faz! Serra é Dilma, que é Serra…

Isto, caro leitor, é conseqüência dessa oposição-situação indecisa, pusilânime e covarde que aí está. Incapaz de defender uma bandeira contrária a esses programas assistencialistas, que são, em última análise, fábrica de viciados em ajuda, de incapazes, necessários à manutenção desse sistema estúpido, que estiola a nacionalidade há décadas. Sequer não ouviram o baião de Gonzaga: “esmola ao homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”!

Por que Serra não defende a privatização do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, da Petrobrás, com clareza, e engana com esse discurso transverso que o patrimônio do Brasil deixará de ser do PT e seus apaniguados?

Por que Serra não defende o fim da bolsa-família, essa esmola que escraviza, em troca da criação de postos de trabalho em todo o Brasil?

Por que Serra não defende, com coragem cívica, a descriminalização do aborto? Por que não defende, sem tergiversação, o Estado laico, livre de influencia religiosa, de qualquer credo?

Avanços no SUS; clínicas de especialistas; mutirões de cirurgias de catarata e próstata, eis no que se resume o programa de saúde de ambos. Com isto, com essas citações genéricas, garantem que melhorarão a assistência médica à população. Mentira, mentira de quem não tem necessidade de se amargar nas filas dos hospitais públicos, que eles, políticos no poder, não proveem dos recursos necessários. Adoeceu o presidente, o governador, o senador?  Toma-se avião e se interna no Sírio Libanês ou no Albert Einstein! Por que nenhum deles acredita nos hospitais públicos? Se não resolverem o problema do médico não resolverão o problema da assistência médica nesta desgraçada nacionalidade. Não se resolverá o problema do médico com piso ou teto salarial, com o que políticos já se comprometeram. Somente a instituição da Medicatura Pública põe cobro neste velho problema. Isto implica trabalho em tempo integral e dedicação exclusiva, através da carreira de Estado, eliminando de forma radical essa promiscuidade nefasta entre serviço público e classe médica, onde aquele finge que remunera e esta finge que trabalha. Por que eles não se comprometem com a Medicatura Pública?

Onde estuda filho de presidente, de governador, de senador? E falam em educação! Os analfabetos são 14.000.000, que somados aos “alfabetizados” que não conseguem ler e escrever corretamente e aos que lêem mas não interpretam o que leram, a cifra é imoral. Acrescentem, nesta estatística estúpida, os doutores que não lêem nada e terão o retrato, em corpo inteiro, de uma nação ineducada. Com Serra ou Dilma, no atual sistema político, com sua proposta idiotizante, o Brasil seguirá em frente, como pode e tem seguido até aqui, rindo-se de si mesmo, ou dos seus Tiriricas… Este o verdadeiro Brasil: o Brasil inzoneiro…

Fernando Guedes

15/10/2010

out 5, 2010 - Poligrafia    No Comments

Retalhos

À urna sem o título.

Domingo passado fui à seção eleitoral, logo cedo, para que esse tedioso dever, que me empurram como direito de cidadania, não atrapalhasse de todo o meu dia…

De caso pensado, sem o título eleitoral – afinal o Supremo Tribunal Federal, com aquela eficiência de fazer inveja à Corte inglesa, havia decretado o fim de sua utilidade – fui à urna!

Depois de muitos anos, desde que tirei o meu primeiro título eleitoral, descobri que ele é hoje um documento que não serve para a finalidade para a qual foi instituído. Para votar, é inútil!

Na seção, ao apresentar a carteira de identidade à mesária, esta me solicitou o título ao que lhe respondi: – Depois da suprema, do Supremo, recolhi-o ao envelope onde guardo, somente para recordação, coisas inúteis. Não o trouxe!

Ela riu-se e buscou o meu número de inscrição numa relação que tinha sobre a mesa. Fui à urna sem título e votei…

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O circo.

Lugar onde se concentram, em espetáculo, trapezistas, malabaristas, ilusionistas, quiromantes e animais exóticos é o circo… São Paulo fez, a meu juízo, a mais correta escolha nas últimas eleições, elegendo, para completar a trupe do o nosso grande circo, com o louvor de mais 1.300.000 votos, o palhaço Tiririca…

Oh raio, oh sol, suspende a lua, olha Tiririca em Brasília!

Será divertido, de agora em diante, o anuncio do espetáculo:

Hoje tem deliberativa?

Não tem, não senhor.

Às quintas-feiras já não se trabalha,

Neste circo que do Brasil gargalha…

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É mito.

Nossos bosques têm mais flores, nossa vida tem mais amores, nosso céu tem mais estrelas… Já Marina “é a cara”. De chofre, sem tempo para uma análise aprofundada, seu desempenho nas eleições foi o responsável pelo segundo turno. Não se levou em conta, por exemplo, a expressiva abstenção nas regiões onde a candidata do PT era favorita.

Eu que não me deixo seduzir pelos lavores do ouro, sem antes lhe tocar o quilate, não divisei, no discurso da candidata do PV, nada que a distinguisse dos outros, Serra e Dilma.

Agora, a mídia imediatista a eleva à qualidade de peso da vitória. Os votos de Marina irão para quem? Seja lá quem ele apoiar, Dilma ou Serra, não receberá aqueles 19.33% de votos. Foram votos aleatórios, de primeira impressão, sem conteúdo ideológico ou programático.

Temas do moralismo político, como defesa da descriminalização do aborto, do casamento gay, do ateísmo, do homossexualismo (divulga-se na internet que um dos candidatos é homossexual), que apavoram cabos eleitorais cristãos e católicos, é que causará estragos eleitorais. Marina decidindo eleição, no segundo turno, é mito.

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Até o próximo episódio!

Vídeo publicado no You Tube mostra um advogado negociando com uma cobra-criada da política planaltina… Seria apenas um advogado acertando com um possível cliente o patrocínio de uma causa? Se fosse somente isto, não haveria nada errado. Mas, sendo esse advogado genro de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que compromete na negociata, o caso seria grave, se não tivesse acontecido em Brasília…

Em qualquer sociedade civilizada, onde as coisas são levadas a sério, onde juízes se recolhem à discrição do cargo e não falam senão nos autos dos processos, não se omitem em face de decisões graves, caso que tal teria sérias conseqüências. Não é o caso desta desgraçada nacionalidade.

No Senado, dizendo-se amigo do ministro, por quem seria capaz de botar as mãos no fogo, um senador o defendeu, com veemência, sem deixar de alfinetar o presidente do STF, que argüiu a inconstitucionalidade formal da “ficha limpa”.

Como já não tenho nenhuma razão para crer nos altos propósitos dessas instituições, não me surpreendo com mais nada. O ministro seguirá ministrando, o advogado continuará advogando e o senado defendendo. Uma pausa apenas, para carregar a máquina… de filmar. Até o próximo episódio!

Fernando Guedes

5/10/2020

out 3, 2010 - Poligrafia    No Comments

Para que serve o título eleitoral?

Vamos recordar… Em 2009 o Congresso aprovou o que ficou conhecido como “minirreforma eleitoral”, que introduziu a obrigatoriedade da apresentação, no ato da votação, o título eleitoral e um documento de identificação com fotografia. Não havendo nenhum questionamento na fase legislativa, nem veto do executivo, a lei entrou em vigência, com eficácia para as eleições de 2010, já que o princípio da anualidade exigido pela Constituição fora obedecido.

O próprio Tribunal Superior Eleitoral (STE) se esmerou em defendê-la e foi operoso em colocar na mídia uma campanha institucional alertando a população da necessidade de se apresentar à seção de votação com o título e com um documento de identificação com fotografia. A população atendeu aos reclamos dos Tribunais Regionais Eleitorais, que tudo fizeram para atendê-la tempestivamente.

Tudo estava na mais absoluta normalidade até que o marqueteiro do PT percebesse, já no memento mesmo da eleição, algum prejuízo que a obrigatoriedade da apresentação dos dois documentos poderia causar à sua cliente, e recomendou ao partido tentar impugná-la no Supremo Tribunal Federal (STF).

Assim se fez: o PT resolveu argüir a inconstitucionalidade da norma, que ele mesmo aprovou no Congresso, por temer prejuízo à sua candidata, e o DEM a defender tese contraria à do PT, por entender que o prejuízo que viria a sofrer a candidatura do adversário beneficiaria a sua. Nenhum deles preocupado com a lisura da eleição, apenas na conveniência política de vencê-la.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra relatora apelou para o tal “princípio da razoabilidade” para decretar facultativa, no ato da votação, a apresentação do título eleitoral. Depois das costumeiras discussões tediosas, cheias de metáforas, de ironias e alfinetadas, que a TV Justiça transmite, ao vivo, sem nenhuma censura, com um escore de 7 x 0 a favor da tese da relatora, o ministro Gilmar Mendes pediu  vista, interrompendo o julgamento, o que provocou murmúrios…

Os jornalistas Moacyr Lopes e Catia Seabra que assinam  a matéria Após falar com Serra, Mendes para sessão, na Folha de São Paulo de hoje, afirmaram que o ministro interrompeu o julgamento depois que recebeu um telefonema do candidato José Serra, interessado na manutenção da obrigatoriedade impugnada. No Outro Lado, do mesmo jornal, publicaram-se desmentidos de ambos: Serra não ligou; Mendes não falou com Serra.

Supor que político brasileiro, candidato numa eleição sem chance de ser eleito, ouse tamanha intimidade com ministro da Corte Constitucional, que ministro dessa mesma Corte receba ligação de candidato interessado na causa em julgamento, é “um salto triplo carpado jornalístico”, como se diria lá mesmo no STF…

Liguei a TV e lá estava o ministro Gilmar justificando-se e esclarecendo, em tom professoral, o que significa, no mundo jurídico, pedir vista… Proferiu um voto seguro, em favor da segurança jurídica, justiça lhe seja feita.

Encerrando o julgamento, o ministro presidente, incisivo, respondeu-me a pergunta do título: “a Suprema Corte acabou de decretar o fim do título eleitoral”. Se o título eleitoral é dispensável para a finalidade para a qual foi instituído, não serve para nada. Parafraseando o que Sua Exa. disse, no julgamento desempatado por Roriz (Um tribunal que atenda a pretensões legítimas de segmentos do povo ao arrepio da Constituição é um tribunal no qual nem o povo pode confiar.), digo que esse mesmo povo não tem razão para confiar num tribunal que atenda a conveniências políticas.

Fernando Guedes

30/9/2010

set 27, 2010 - Poligrafia    2 Comments

O Supremo empata, Roriz desempata…

No Brasil nunca se faz coisa senão de má vontade, tarde e mal, disse Rui, em 1919, referindo-se à lei do acidente do trabalho, que qualificou de lei manca. O mesmo se pode dizer acerca desse arremedo que integrou o nosso complicado mundo jurídico com vulgo de “lei da ficha limpa”.

Já tratei desse assunto no post Políticos versus Ficha Limpa: 1 x 0, publicado neste Blog. Torno a ele porque o julgamento de recurso extraordinário interposto pelo candidato Joaquim Roriz, contra acórdão do STE, que lhe cassou a elegibilidade, pareceu-me surrealista.

É sabido que a aposentadoria de um dos ministros do STF o deixou desfalcado, implicando, em certos feitos, julgamento com composição par, que pode resultar em empate, que pode se tornar um impasse…  Não há quem, informado, ignorasse isto, até porque a imprensa deu ampla divulgação ao fato, chegando a revelar a tendências dos votos e antecipar o placar da votação: empate.

Nessa situação, apregoou-se o julgamento do feito. Após o voto do relator, o ministro-poeta, para quem a lei é primor filológico e de moralidade, o presidente, baseando-se em precedentes do próprio STF, argüiu, ex officio, a inconstitucionalidade formal da lei, e foi bombardeado pelos que, ali, no plenário, mostravam-se acintosamente comprometidos em manter a eficácia dessa lei já para as próximas eleições. Os fáceis irritados, captados pelos closes das câmeras, denunciavam o comprometimento com essa causa…

Seguiram-se discussões acaloradas…  Nenhum ministro conseguia falar sem ser interrompido, numa balburdia que deixaria corado qualquer ministro da Suprema Corte de Honduras, tão criticada, aqui, no caso Zelaya… Tal assim que o neoministro, não conseguindo proferir seu voto, pediu vista, adiando o julgamento, para, na sessão seguinte, abrir a divergência…

Mal havia iniciado a fundamentação do seu voto, o ministro Gilmar Mendes, que acompanhou a divergência, teve que enfrentar ironias dos ministros que defendiam a tese contrária. Foi um espetáculo ridículo, de descortesias. Depois dos votos dos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que rejeitaram a eficácia da lei para as próximas eleições e a retroação dos seus efeitos para alcançar atos pretéritos, falou o ministro presidente (ouviram-no em silêncio, talvez pelo cansaço que se bateu sobre o plenário, depois das 15 horas discussões tediosas) que, num preâmbulo magnífico, invectivou contra esse falso moralismo que, aqui e ali, ousa induzir a Corte a se abdicar de sua missão constitucional, para satisfazer os caprichos desse proteu chamado “clamor do povo”. Disse, com gravidade, Sua Excelência: “Um tribunal que atende a pretensões legítimas dos segmentos do povo ao arrepio da Constituição é um tribunal no qual nem o povo pode confiar”. Depois, foi preciso: uma lei que retroage para alcançar ato praticado no passado, quando o agente já não pode valer-se da liberdade de não praticar o ato condenado, é uma lei que não se pode dizer civilizada. Estava empatado o escore da votação: 5 ministros pela aplicação imediata da lei, em consonância com o “clamor do povo” e 5 ministros pela aplicação mediata da lei, com eficácia sobre atos praticados depois de sua promulgação, em acordo com a Constituição e com a civilidade. Confusão; irritação; dissenso; uma patacoada…

Eles, os 10, transmitiram a impressão de que não estavam preparados para enfrentar o impasse e a certeza de que não se entenderiam em face das sugestões que surgiram, para superá-lo. Entre as ironias, no Supremo, a suprema de convocar, para desempatar o julgamento, o chefe do executivo, responsável pela inexistência do número 11! O presidente do STE, lá e cá a favor da imediata aplicação da lei, sustentou a aplicação de dispositivo do regimento interno que prevê decisão contrária ao que se pede, porque não houve maioria absoluta para se decretar a inconstitucionalidade da lei. O presidente, calmo, relembrou-lhe que todos votaram pela constitucionalidade da lei, portanto não era o caso de inconstitucionalidade de norma, não podendo ser aplicado o dispositivo argüido. Encurralados na própria indefinição, um indagou, irritado, se o presidente iria desempatar o julgamento, ao que este lhe respondeu: “não tenho vocação para déspota, nem o meu voto vale mais do que o de qualquer outro ministro”, isto é: não quis se comprometer, mas se comprometeram todos em resolver o impasse até antes da diplomação dos eleitos…

Roriz, cobra criada, agiu contra a hesitação que o deixava naquela situação onde a própria condenação é mais justa que a indefinição. Oferecendo-se a número 11 desempatou, de forma inusitada, o feito: renunciou à candidatura e indicou, para substituí-lo, aquela que é ele mesmo, quando já não se pode mudar, na urna, nome e foto.

Aqui, confesso-o, deparam-se-me o jarro e a bacia… a parcialidade da imparcialidade. Rui, como numa sessão psicográfica, dita-me o remate: “Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde”.

Fernando Guedes

26/9/2010

set 3, 2010 - Poligrafia    No Comments

Ruy e Octávio Mangabeira riem de mim…

otavio_mangabeiraQuando uma convicção me entra no espírito, resultante de exame profundo ou longa observação, é difícil que dela me libere. Não creio, não há jeito de acreditar que se tire este país do labirinto em as circunstâncias o meteram, senão depois que ele por alguma, não direi transformação porque a palavra pode prestar-se a equívocos, mas reforma, atingindo os espíritos, e que tenha o poder ou o condão de inspirar e torná-las exeqüíveis. (Octávio Mangabeira)

rui_barbosaOs debates, na representação nacional, não servem para deixar ver a verdade sobre o Governo da Nação. Para o que servem, é para a encobrir. Se papel dissimulativo os rebaixa. Sua baixeza os entrega à mediocridade. Sua mediocridade os inutiliza. Sua inutilidade os separa do povo, que os aborrece, os evita, os ignora, e se habitua a não os escutar. (Ruy Barbosa)


Sentei-me ao computador para ler os jornais e me deparei, nas primeiras páginas, com o resultado de uma pesquisa que dá, para a primeira candidata da situação, a vitória logo no primeiro turno. A avaliação favorável do atual governo, patrocinador dessa candidatura, diz a pesquisa, é recorde na história da República: 80%.

Assisto à propaganda eleitoral e percebo, com clareza, o caráter plebiscitário que situação e situação imprimem à eleição. A repetição não é erro: é constatação. Não temos oposição!

Assaltado por um desalento, olho o entorno e me deparo, numa estante, com Ruy Barbosa e Otavio Mangabeira: outra constatação. Homens verdadeiros (não sombras) e idéias só nas estantes.

A televisão, ao lado, anuncia o início do programa eleitoral. Interrompo a escrita e volto-me para a televisão. A primeira candidata da situação, a boa-moça política, inicia sua propaganda exaltando os feitos e as obras do governo a que serve e conclama o povo, notadamente os 80% que estão felizes com tais “conquistas”, que reelejam, para o terceiro mandato, o “governo da felicidade”. Lula aparece no vídeo, com aquela modéstia de quem se acha dono do Cruzeiro do Sul, e pergunta: “Como é que um torneiro mecânico conseguiu fazer mais Universidades que os letrados?” A platéia, em aplausos, delirou… É coisa do Brasil, que nunca teve apreço pela cultura (o Brasil preferiu Hermes da Fonseca a Ruy). O segundo candidato da situação, o hipocondríaco político, que tem medo de aparecer ao lado do ex-presidente a que serviu, porque acha mais proveitosa propaganda com Lula, de quem promete manter os programas, se compromete com a retomada dos mutirões de catarata e próstata, mais genéricos e clínicas de especialidades. A terceira, a extrativista política, prega a sustentabilidade e o retorno ao naturalismo, para trocar o Brasil que temos pelo Brasil que queremos; isto é, que ela idealiza e imagina. Lá, no governo, esteve ministra e se limitou ao Brasil possível… Os três, situação que são, tudo fazem para colher, nessa maldita seara política, a sobra que se derrama da bruaca política de Lula. Este, certamente, se tornará Doutor Honoris Causa de uma dessas Universidades que criou, se não o for da USP…

Entre os outros, que não pontuaram na pesquisa, não há quem lidere um contingente eleitoral suficiente para tornar-se oposição viável. Para ser oposição viável não basta não estar no governo, não servi-lo, é necessário, além de não estar no governo, se opor a ele, com condição política e moral de enfrentá-lo no Congresso. Não se deixar seduzir por migalhas embutidas, de alcatéia, em medidas provisórias; não transigir em nenhuma hipótese. Todos eles são uma oposição nominal consentida por esse anacrônico sistema eleitoral. O valor dessa oposição, em termos de transformações legislativas, é mesmo valor do zero à esquerda, que é o atual valor da esquerda no Brasil. Imagine, neste maluco sistema político, um governo com a pretensão de limitar a propriedade rural em 1.000 hectares, de suspender o pagamento de juros da dívida pública, de reestatizar a Vale, de fazer da Petrobras uma empresa pública, de substituir o liberalismo econômico pelo socialismo, de promover uma radical reforma tributária, de implantar outro sistema eleitoral… Com que Congresso? Com que Judiciário? Revolução, como sabe, aqui só produz ditaduras…

Um amigo do PSOL argumenta que tudo isto é possível com a mobilização popular. Será isto possível? Desde que o sufrágio foi transformado é moeda e as eleições em negócio somente os ingênuos acreditam na mobilização popular. Quando Getúlio, esse ditador elevado, pelo inusitado da morte, a estadista, entrou em desgraça, abandonado por todos, pretendeu-se, aqui em Salvador, mobilizar o povo em seu favor. Quando se reuniram, em praça pública, para o comício, contavam-se nos dedos das mãos os presentes… Otávio Mangabeira teria dito: “Onde está o povo?” Fito a cena política atual; assisto às seções do Senado, hoje uma caricatura de casa legislativa, que só delibera sobre requerimentos de voto de elogio ou de pesar; vejo a pantomima das CPIs; observo os discursos hipócritas contra as medidas provisórias; constado o ridículo de acusadores apanhados nos mesmos erros das acusações; já cansado da bolorenta oratória de Simon, de Mão Santa, de Cristovam Buarque, pergunto a mim mesmo: onde está a oposição? Volto os olhos para a mesma estante e tenho a impressão de que Ruy e Otavio Mangabeira riem de mim…

Fernando Guedes

3/9/2010

jun 6, 2010 - Poligrafia    2 Comments

Patriotismo de Futebol

Auriverde pendão de minha terra,

Singular esta nossa Pátria amada, idolatrada, brasileira… Já no Hino o ufanismo: nossos campos têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores… O Cruzeiro do Sul é nosso… Deus é brasileiro… Enfim somos a Pátria mais feliz do universo!

Que a brisa do Brasil beija e balança,

A Bandeira, a positivista, também dela se ufana: o amarelo, que antes simbolizava a Casa de Habsburgo, da Áustria, a que pertencia nossa Imperatriz, D. Leopoldina, virou uma representação do ouro, que já não existe. O verde, da Casa de Bragança, a do nosso Imperador, D. Pedro I, é a exuberância das nossas matas. O azul, que antes não havia, símbolo do firmamento, transformou-se numa homenagem a N. Senhora, a mãe de Deus, o brasileiro número 1. A advertência de como se devia cuidar e desenvolver o colossal patrimônio que Ele nos deu, Ordem e Progresso, é vã esperança que com ela tremula.

Estandarte que a luz do sol encerra…

Passam-se os dias, vão-se os meses, terminam-se os anos… Queimam-se as matas, para fazer carvão, na mais estúpida e corrupta atividade econômica que se pode imaginar; a vida, aqui, se valor já não tem, é porque não tem tantos amores assim. Vede a violência, o cuidado que se dispensa à infância, nas esquinas abandonada, prisioneira da miséria e da droga; vedes a atenção que se dá à saúde pública, nos hospitais, nos ambulatórios, onde tudo falta: remédio, leito, educação, compromisso… Vede em que prioridade se tem a educação pública, essa produtora de analfabetos funcionais; observem as escolas, aonde se vai para matar a fome do estomago, não a de saber. Têm elas despensa, conzinha, refeitório e mantimentos, mas não possuem livros e computadores…

E as promessas divinas da esperança…

O Hino Nacional, que lástima, já não se canta nas escolas, por isso raríssimos os “patriotas” que sabem seu poema de cor. Quem o escreveu é bom nem falar… Certa vez perguntou-se, numa entrevista de rua, a transeuntes, quem foi o autor do poema do Hino, e a resposta foi a de um patriotismo pop-clássico: Zeca Pagodinho, Fafá de Belém, Donga e Noel Rosa; Carlos Gomes, Ernesto Nazareth e Villa-Lobos… . Não faz muito tempo, um professor de português foi ao encontro das margens plácidas o Ipiranga e se decepcionou com o que viu. Pediu a estudantes, que visitavam o Museu da Independência, que identificassem o sujeito nos versos: Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heróico o brado retumbante. Indeterminado (alguém), para uns; D. Pedro e sua comitiva, para outros. Todos (100%) errados!

Tu, que da liberdade após a guerra,

Mas os “patriotas” continuam deitados eternamente em berço esplêndido… esperando a Copa do Mundo, efeméride de suma importância para o seu civismo, que o desperta dessa letargia que o consome. Relembram a Bandeira e o Hino. De verde e amarelo colorem tudo: casas, repartições, escolas, ruas… Mas, como sua memória é fragmentária, esquecem que o azul integra as cores nacionais, e a deixam de fora de sua aquarela patriótica. O desenho da Bandeira é reproduzido nas mais ridículas coisas: lata de cerveja, vaso de refrigerante, boné, mochila, saída de praia, calcinha, viseira… Nos aeroportos, nos aviões, nos bares, nos restaurantes, em qualquer lugar o que mais se vê é esse “patriota” com sua camiseta auriverde. Eis no que se resume, hoje, o civismo brasileiro…

Foste hasteado dos heróis na lança,

Enquanto a Copa do Mundo não termina, temos que aturar, diariamente, nas entrevistas de jogadores… as “perolas” desse heroísmo tupiniquim, de entrevistados e entrevistadores.

Antes te houvessem roto na batalha

Ah, quase ia me esquecendo: Dos 23 jogadores convocados, pelo técnico, somente três (13,04%) jogam no Brasil. Vinte (86,96%) jogam em times do estrangeiro, ganhando milionários salários… Não farei aqui a comparação entre o salário de um professor (o mais importante profissional de uma nacionalidade), que nunca se ausenta da sua Pátria, com o salário de um desses jogadores, para não cair em ridículo.

Que servires a um povo de mortalha!…

Será que esse “patriota”, que se ufana do “escrete amarelinho”, se orgulha do hospital público em que busca socorro na doença? Da escola pública que educa seu filho? Do transporte público com que se locomove? Da segurança pública que o protege? Da justiça, quando tem que reaver um direito usurpado? Do Congresso, esse cujo expediente começa na terça-feira e termina na quinta-feira? Está satisfeito com o emprego dos impostos que paga? Como parece que de tudo isso se orgulha, que vista então de verde e amarelo, tome um “cervejão”, sopre a vuvuzela e troça… e torça… para ganhar a Copa, que completará a sua felicidade! Terá desfile em carro de Bombeiros, carnaval, feriado, fila para beijar a taça… Todos passarão a idolatrar Dunga, como herói vingador! Assistiremos à pirueta que o Presidente (da República) prometeu à nação… Espero, contudo, que ele não chegue ao sacrifício patriótico de tirar as roupas, como prometeu el cafishio milonguero

Fernando Guedes

5/6/2010

jun 4, 2010 - Poligrafia    5 Comments

Santo Antonio: Fernando e Antonio…

Casada em 2 de julho de 1937, minha mãe passou treze anos para ter o seu primeiro filho. Fez tratamento, mas a gravidez não vinha. Já desiludida, apegava-se a uma sobrinha, como a uma filha  que não conseguia gerar. Católica, não desistiu e apelou para Santo Antonio, que, parece, ajustou a fisiologia do casal: em 5 de setembro de 1950 nasceu-lhe o filho tão esperado! Que nome lhe daria? O do Santo: Antonio Fernando (Franciscano-Agostiniano), recomendou-lhe a gratidão. Dois anos depois, nasceu-lhe o segundo filho, que tomaria o mesmo nome, invertido: Fernando Antonio (Agostiniano-Franciscano). Nuca fez anticoncepção e jamais voltou a engravidar-se: afinal são apenas dois os nomes de Santo Antonio… Milagre? Não sei… mas sempre quis lhe fazer, ao Santo, uma homenagem, escrevendo algumas linhas em seu louvor. Pensei, pensei… e ocorreu-me, neste junho, no início de sua Trezena, transcrever, neste post, o memorável discurso proferido por Afrânio Peixoto, na Academia Brasileira de Letras, em 13 de junho de 1931, em comemoração do VII centenário do Santo. Ei-lo:

Santo Antonio, Padroeiro dos Homens de Letras.

Aqui mesmo, em 26, celebramos o centenário de um homem de letras, leitor apaixonado de livros de cavalaria, ouvinte enternecido dos ais de amor provençais, autor desse divino poema à Criação, que é o “Cântico do Sol”, um dos fundadores literários da língua italiana, São Francisco de Assis, que teve na terra, e tem no céu outros méritos. Esse de poeta, de homem de letras, era o que particularmente nos tocava.

Basílica de Santo AntonioSemelhantes méritos de santidade e de devoção, tem aquele cujo sétimo centenário ocorre precisamente hoje, 13 de junho, Santo Antonio de Lisboa, que se finou em Pádua, em 1231. Um santo, um grande santo sim, o maior de sua gloriosa Ordem Franciscana depois do Santo Fundador, mas, como ele, grande homem de letras, professor de teologia nomeado por S. Francisco; erudito nas letras sagradas, reconhecido por um papa, Gregório IX, que lhe chamou “Arca do Testamento”; orador popular, “egregius predicator”, disse S. Boaventura, soberano contra déspotas, os poderosos, os extorsionistas, os avarentos, os hereges, pelo que mereceu o nome grave de “Martelo da Heresia”; autor não só de sermões de piedade e de edificação, porém sermões de mestre, modelos de ciência e de devoção, para outros oradores sagrados colherem o fruto da pregação: são in-fólios que o atestam. Esse apóstolo contra a heresia, esse taumaturgo que convencia o coração pelo milagre, mas que tocava antes a razão com a idéia esse grande Santo da Cristandade, o maior da nossa raça, orgulho de nossa gente, devoção de Portugal e do Brasil, esse Santo foi principalmente um homem de letras, e por tudo, glória humana e divina, é justo e devido seja louvado aqui.

Digo logo o endereço dessa homenagem, para protestar contra a nossa descuriosidade e ignorância. Para todo o Portugal e Brasil, mesmo para nós letrados e amigo das letras, Santo Antonio é apenas um santo milagreiro, deles o mais vulgar, apenas ocupado hoje em dia no modesto oficio de deparar coisas perdidas e arranjar casamentos… Achar pequenas coisas humildes e não a honra, o juízo, a virtude… Casamento, amor, a razão da vida, sim, mas o santo é invocado como intermediário, arranjador das felicidades, acomodador, depois da escolha feita. Foi ao que a piedade popular reduziu um glorioso apóstolo.

Basilica de Santo Antonio 3Há que se criar uma defesa dos santos contra os seus devotos. Joana d’Arc, depois de salvar a França e por ela ganhar o céu, está agora servindo à mediocridade francesa nos mais humildes ofícios, promovendo a colheita da cidra na Normandia e combatendo as doenças do vinho na Borgonha. Essa grande santa, menina e moça, de heróicas virtudes, Teresa do Menino Jesus, estará em breve banalizada como santinha piegas e milagreira, a que a ignara piedade e está reduzindo. Triste retorno humano, desse caminho divino do céu. Humanos, conquistaram heroicamente a santidade; santos, degrada-se humanamente na frivolidade. Felizes esses santos, Tomás de Aquino, ou Inácio de Loiola, Teresa de Jesus ou João da Cruz… cujas obras são difíceis de ler, e mais ainda de sentir, e se isolam numa aristocracia de piedade só para os devotos capazes de os compreender.

Sei bem que o povo tem seus soberanos direitos, até no céu; não me esqueço da palavra divina que disse: ele é dos pobres de espírito. Mas é demais. Santo Antonio, que o milagre trouxe à veneração popular, está por isso condenado ao esquecimento e à ignorância do que foi, além e antes do taumaturgo. Minha lástima não é contra o povo, no sentido direto, é contra o clérigo, contra o letrado, o sábio, na sua remissão. Não lastimo a Santo Antonio, lastimo ao Brasil e a Portugal.

Há dois anos fui a Portugal visitá-lo, na sua cidade, na sua basílica, no seu tesouro, nas suas relíquias, nessa língua viva e incorruptível a cuja exumação São Boaventura assistiu, que a morte e a terra pouparam, perene afirmação da glória do orador, do letrado, “Arca do Testamento”, “Martelo da Heresia”…

Ainda depois de setecentos anos, Santo Antonio é, em Pádua, exclusivamente, “Il santo”. Como lhe chamaram vivo, como lhe chama a posteridade, “o Santo”. Naõ há outro para os paduanos. A basílica é do Santo; a praça em que se erige é a “Piazza del Santo”, a avenida que para lá conduz o peregrino é a “Via del Santo”. Os outros santos têm nome determinativo, o que dispensa denominação; “o santo”, como se fora único, somente ele santo, é Santo Antonio… Não é assim em Lisboa, ou no Rio, em Portugal ou no Brasil, como é e, Pádua, na maior parte da Itália, no sul da França.

… por natureza

Ou por constelação de clima

Esta Nação Portuguesa

O nada estrangeiro estima

O muito dos seus despreza.

Foi dito por um dos nossos, o poeta lusitano Simão Machado, em religião Frei Boaventura Machado, que sobre o nosso Santo escreveu, e repetido por outro dos nossos, o poeta brasileiro das “Sextilhas de Frei Antão”, Gonçalves Dias. E está certo.

Santo Antonio_livroPádua tem a sua Universidade, célebre entre as medievais mais célebres, de 1222; porém tem mais, tem o “santo”. A obra-prima de Donatello, esse Gatamellata, com a de Verrochio, o Colleone, de Veneza, as duas mais célebres estátuas eqüestres de mundo, está no adro da Basílica por enfeite. Entrei. Fiz as oblações de minha admiração e minha piedade. Concentrei-me ente as relíquias do Santo. Extasiei-me ante o altar-mor de Donatello, ante o maravilhoso Crucifixo de 1443, diante dos baixos-relevos que narram os milagres do Santo, principalmente lendo esse poema à divina infância, que são os doze anjos que liricamente esculpiu em baixo-relevo o mesmo Donatello, o épico do monumento exterior. No tesouro admirei relíquias e relicários, dádivas de soberanos e poderosos, riquezas de arte, de memória, de preço, que representam a gratidão de imensos benefícios reconhecidos. De um lado e de outro, vi alinhados os confessionários de todas as nações do mundo que Pádua se vão confessar, aos padres de Santo Antonio. Como em São Pedro de Roma, também Pádua não falta povo algum. É um congresso de filologia, uma Babel, que o Espírito Santo não permite confundir… E vou lendo: francês, inglês, alemão, polonês, checo, esloveno, russo, grego moderno, espanhol, italiano, irlandês, catalão, provençal, sueco, holandês… e continuo, e vou até o fim, e torno a voltar, procurando o meu, o nosso confessionário… e não o acho, e não quero crer na ausência. Na Basílica de Santo Antonio de Lisboa em Pádua, havendo confessionários de todas as línguas ocidentais, falta uma, falta a do Santo, falta o português. Necessariamente porque nem portugueses nem brasileiros se vão lá confessar… Não há procura, não há oferta. Vão outros, vão todos os povos cultos da terra venerar Santo Antonio. Nem portugueses nem brasileiros. Em Portugal e no Brasil Santo Antonio arranja casamentos e acha objetos perdidos. Não comento, deponho.

E entretanto vede, nessa sua imagem popularizada pela piedade, desde a Idade Média, há o lírio, o símbolo pessoal da pureza: há o menino Deus que o milagre lhe viu nos braços fugindo do colo da Virgem; mas há o livro, sobre que se assenta o Senhor, livro fechado, “Arca do Tesouro”, ou livro aberto, os sermões orados e escritos, do “Martelo da Heresia”. Na iconografia de Santo Antonio, e faz fé a grande obra de Manadach, pode faltar o lírio ou faltar o pequeno Jesus, o livro está sempre presente. Não há Santo Antonio sem o livro. É a sua, é a nossa insígnia.

Da santidade não é aqui o lugar de dizer; dirão os capazes, justamente, os pregadores, onde é devido, nos templos.

Permiti-me apenas, como humilde devoto, mínimo admirador, que reze minha oração leiga a esse grande orador sagrado, menos a ele que a vós, convidados hoje para celebrarmos o centenário de um grande homem de letras, um daquele de que mais se deve ufanar a nossa raça gloriosa.

Santo Antonio lisboa_2Nasceu Fernando Martins de Bulhões em Lisboa, a 15 de agosto de 1195, de Martim de Bulhões em Tereja ou Teresa Taveira, descendente, segundo a tradição do nome, de um colateral Godofredo de Bouillon, o chefe da Primeira Cruzada, primeiro Rei de Jerusalém. Taveira ou Távoras são também nobres. Lar piedoso, cresceria o menino com a piedade, como ele viria a confessar. Também a tradição, apesar disso, mostraria na Capela de S. Vicente de Fora, nos degraus de pedra da escada que sobe ao coro, cruzes impressas que o jovem traçara no solo, para livrar-se de uma tentação. O milagre teria impresso, em depressão, na pedra, esses sinais de proteção invocada. Aos 15 anos, Fernando estaria recolhido a um mosteiro, da regra de Santo Agostinho, aí mesmo em S. Vicente, perto de Lisboa, de onde passaria ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Aí, à piedade se acrescentaria a ciência, pois os cônegos agostinianos são doutores canônicos e em Santa Cruz além de letras divinas ensinavam-se as humanas, até a história natural, a fisiologia, a medicina.

Foi quando a Portugal chegou a notícia e depois as relíquias de cinco mártires franciscanos que, pela fé, haviam sido trucidados em Marrocos. O fervor de piedade acendeu-se, na corte e no povo, e o douto cônego de Santo Agostinho invejou a glória, de ser também um humilde frade menor, para dar o seu sangue por Deus. Vede bem, nessa humildade e nesse desejo de martírio havia um laivo de orgulho. Deus elege. Fernando oferecia-se. Pedindo-a, ao reitor, tivera este pena de lha conceder, essa transferência de ordem, e, segundo a tradição, um dos cônegos dissera-lhe, vendo-o partir: “Vai, vai, ficarás um santo”. Havia amargor na profecia, a que Fernando respondeu simplesmente: “Quando  souberes que sou santo, louvarás a Deus”.

Nesse mesmo mosteiro de Santa Cruz trocou os seus hábitos, recebeu o burel e o cordão de São Francisco e com os seus novos irmãos recolheu-se à casa deles, de Santo Antonio dos Olivais. Quisera mudar de ordem e, cônego, tornar-se um frade menor, de culto, em humilde, de estudioso tranqüilo, em missionário para o martírio, – mudaria também de nome – e Fernando, tomou o nome do santo que dava invocação a sua nova casa. Antonio, “alte tonans”, o que troveja com fulgor, foi a etimologia que tradição lhe conferiu à troca. Relâmpago e trovão.

Estaria aí a predestinação do Santo, não o humilde mártir que desejava ser, testemunhando da Fé, mas o clarim, o tambor dessa Fé, que os ouvidos moucos ou distraídos haviam de ouvir, para a conversão.

Frei Antonio não poderia parar, e, logo, ei-lo a caminho de Marrocos, em busca do martírio. O sultão, porém, era outro, pacífico, inimigo do sangue e o laivo de orgulho do santo foi assim punido, na decepção. Deus rejeitar-lhe o sacrifício. Tornou a embarcar, para volver a Portugal.

Não o seu, mas o desígnio divino ia realizar-se. Uma tempestade lançou o seu navio nas costas da Sicília. Ai, a tradição lhe marca a presença em Taormina, em Messina, até que, à notícia de um capítulo geral em Assis, a 30 de maio de 1221, Antonio quis conhecer o Padre S. Francisco: a pé, de Calábria a Umbria, o frade humilhado ia, agora, completamente humilde, conquistar a glória, que lhe estaria reservada.

Santo Antonio LisboaO capítulo de 19 reunira cinco mil franciscanos, um milagre; esse de 21 teria ainda três mil frades, mas seria o último a congregar toda a família seráfica, que se pudera reunir em torno da Porciúncula. Viu aí Frei Antonio o padre S. Francisco, resignatário do governo de sua ordem, humilde entre os anônimos. Havia uma missão à Alemanha, que podia trazer a morte, o martírio… Antonio viu escolher os companheiros e silencioso, agora perfeitamente humilde, não se ofereceu. Também não o poderia, não sabia a língua alemã, convalescia de grave enfermidade, e ainda trazia fadiga da viagem. O martírio escapava-lhe ainda, humilhado novamente. Mas agora santamente humilde.

Santo Antonio_PeixesQuando o capítulo terminou, só, silencioso, sem ninguém que o conhecesse, Antonio pediu ao Ministro da província de Ramagna, Frei Gratiano, que o levasse consigo. Sua piedade e sua humildade o recomendavam. Chegando ao pouso, o irmão silencioso quis fugir à multidão, no eremitério de Monte Paulo. Foi-lhe concedido. Ainda a seu pedido, incumbia-se de varrer a casa e de lavar os pratos e as vasilhas da cozinha e do refeitório. Assim, até o seu dia. Foram todos os irmãos a Forli, para se ordenarem os de Monte Paulo. Aí, à refeição, o Ministro pediu aos frades reunidos que, numa oração, exortassem aos novos ordenados. À recusa de todos, voltou-se para Frei Antonio, para não o humilhar, sem também um convite, como a todos: mas, como, o lavador de pratos não conheceria as Escrituras, ainda para o não humilhar, disse-lhe, benignamente, discorresse sobre o que o Espírito Santo lhe inspirasse. Resistiu, mas, à instância dos assistentes, que talvez uma santa malícia curiosa movesse, nessa reiteração, Antonio começou a falar. Um fluxo eloqüente de fé, de fé instruída e sábia, que brilhava tanto mais quanto vinha de um humilde lavador de pratos, que tocava tanto mais, quando o acreditaram incapaz de dizer coisas que valessem ouvir-se. Ouviram, admiravam, embeveciam-se, tocavam-se de comoção, e tanto a eloqüência, como a ciência, como a caridade esplenderam em milagre. Um sábio e um orador apareceram imprevistamente, na ordem: no humilde Frei Antonio, franciscano, se revelara o culto cônego Fernando, agostiniano. A ciência humilde foi exaltada. A luz sob o alqueire, do Evangelho. Foi reconhecida. Seria aproveitada.

Santo Antonio_Peixes_2Antonio foi mandado pregar na Romagna contra a heresia dos Catharos e Patarinos, infestados de maniqueísmo. Era a eloqüência para seduzir e a ciência da Escritura para combater. Daí começou a sua fama de “Martelo da Heresia”. É aí que se situa dois estupendos milagres. Um herege recusa-se a admitir a presença real, na Escritura. O pregador faz uma aposta… Se seu cavalo, privado de alimentos, o reconhecesse, que faria ele? Com dois dias de jejum, diante de um feixe de aveia e de uma hóstia consagrada, o animal prosterna-se, até que o santo lhe dê liberdade. O herege converteu-se, publicamente. O outro, foi, diante de outro herege, em Rimino, que o não queria ouvir; o santo volve-se para o mar e põe-se a orar aos peixes que, em multidão, acorrem, as cabeças de fora, dando sinais de entendimento. A multidão prosterna-se, convertida, diante do milagre, ouvindo então as exortações da piedade. Dessa tocante iluminura viria Vieira a fazer obra-prima da sátira, no púlpito do Maranhão.

Tamanha já era então a fama do santo que a uma estada em Verceil, onde conheceu talvez João Gersen, a quem se atribuiu a Imitação de Cristo, a tradição de biógrafos e os milagres da admiração quiseram que de Santo Antonio fosse a autoria do grande livro. Contestem-no os historiadores; ficará, subsistirá a idéia de que ele seria capaz de fazê-lo, tanta era a conta que o tinham.

Santo Antonio_milagre do cavaloEm conta maior tivera-o S. Francisco, contra suas primeiras e insistentes determinações, em investi-lo das funções de professor dos frades menores, em Bolonha. Com efeito, o Padre Seráfico não quisera a ciência, mas apenas a fé, como apoio do missionário; a vida, as ações, a caridade, antes que a Escritura, a teologia, a ciência. Mas força foi dobrar-se ao fruto que se havia dessa ciência pia, que trazia a conversão e o milagre. Força foi talvez convencer-se que o tempo exigia dos franciscanos as armas da divina ciência, ao lado do amor divino, como entre outras ordens concorrentes. S. Francisco escreveu, pois, um bilhete a Santo Antonio, chamando por ele “meu Bispo”, permitindo-lhe lesse aos irmãos as santas letras e a teologia, contanto que se não extinguisse o espírito da santa oração.

Paul Sabatier, o mais sábios dos historiadores de S. Francisco, acha tão antifranciscana esta permissão, que duvida, por isso, da autenticidade do bilhete. Entretanto, tem tanta força a verdade, que ele mesmo vem à injusta reflexão: “Com Santo Antonio… a queda é imensa (da Ordem Franciscana)… a distância entre este dois homens (São Francisco, de quem vem falando) é tão grande, como a que separa Jesus de S. Paulo”.

Se S. Francisco não houvesse permitido a novidade científica na sua Ordem, Santo Antonio teria sido não um sábio cumpridor da vontade seráfica, mas um revolucionário reformador dela. E ao contrário, é ele que investe contra Elias na presença do Papa, por trair o espírito franciscano. Portanto, o escrito e o mandato são autênticos. Por que Santo Antonio será S. Paulo e S. Francisco, Jesus, como queda, e não prolongação? O Cristianismo sem o apostolado aos gentios, não seria o Catolicismo… S. Paulo trouxe Jesus da Palestina a Roma, ao Império do mundo. Santo Antonio deu a S. Francisco a prolongação do conhecimento à fé, da razão à piedade, da ciência ao amor. O “creio porque sinto” tornou-se o “creio porque sei”.

A razão de um emparelhou-se à piedade do outro.

Santo AntonioA melhor justificativa de Santo Antonio, além da contradição em que cai Sabatier, está na sua mesma história: “Os sucessores de S. Francisco foram quase, sem exceção, discípulos de Bolonha: Pedro de Catania era doutor em leis, assim como João Parenti; Elias foi “scriptor” em Bolonha; Alberto de Pisa aí sido ministro; Aymon fora aí lente; Crescentius escrevera obras de jurisprudência”… Santo Antonio foi apenas um precursor desse movimento e a mando do próprio Padre Seráfico. De todas as ordens sábias e cultas, de todas as universidades e escolas, doutos e sábios ingressavam na Ordem Franciscana e não era lícito a S. Francisco não utilizar toda essa riqueza para a obra de propagação da fé.  O que havia mister era que a oração, a piedade, o amor não fossem sacrificados à lição, à ciência, à propaganda. Tudo teria seu tempo e seu lugar. O sentimento move; só a razão encaminha, Santo Antonio continua S. Francisco.

Santo Antonio_5Como em Bolonha, Santo Antonio ensinou teologia em Monpilhér e Tolosa, instruiu irmãos e combateu hereges. Não só instruiu, mas admoestou. Um escritor leigo, César Cantu, delicia-se em citar as verberações do Santo aos abusos do Clero. Profanos e religiosos, todos deviam estar na regra de Deus. Não fora S. Francisco já um protesto contra a impiedade disfarçada e um retorno ao Evangelho, que até religiosos iam esquecendo? Antonio fê-lo, ainda com mais ímpeto. Da cátedra, o Santo passou à praça pública; o orador popular foi tão grande como professor. As suas multidões eram inumeráveis; acordava-se de madrugada para achar lugar; lojas e oficinas fechavam-se para donos e aprendizes o ouvirem. A conversão e o milagre floriam. Por isso, ainda hoje, a Provença é devota de Santo Antonio e a França paga, como a Itália, o tributo de veneração ao apóstolo. Um dos inúmeros milagres dessa época mostra o Santo a pregar num capítulo de Arles e um frade que vê S. Francisco, em pessoa, que estava na Itália, embevecido, a escutar o “Seu Bispo”. Só quando Antônio traçou no ar, por termo, o sinal da cruz, a visão se dissipou. Tal oração, para produzir tal milagre, não seria alheia ao espírito franciscano.

Santo Antonio_6Tornando a Itália, Santo Antonio terminara o seu grande ministério em Pádua, não sem ter visitado e pregado em numerosas cidades. Ainda lhe ficava tempo para escrever seus sermões, como lhe fora pedido pelo Cardial Hugolino, Bispo de Óstia, protetor da Ordem Franciscana. Em 30 está em Roma, pleiteando junto desse amigo, agora Gregório IX, uma interpretação oficial do testemunho de S. Francisco. Tornando, enfrenta Ezzelino, o tirano Verona. Em Pádua, de novo, ensina teologia compõe sermões, combate a heresia. Em 1231 é ainda o mesmo ministério e a morte, na mesma faina piedosa de lente, de orador, de escritor, até o trânsito, a 13 de junho, em Arcella, perto de Pádua, justamente a sete séculos.

O mundo esqueceu a sua teologia, com que foi professor; esqueceu os seus sermões de grande orador, com que foi “egregius predicator”, diz S. Boaventura; esqueceu o tomo compacto e in-fólio de seu sermonário, testemunho da erudição e da ciência da “Arca do Testamento”. Esqueceu tudo, para se maravilhar com o Taumaturgo. Mas, ainda aí, Santo Antonio manifesta-se o letrado, o poeta, o sábio.

ConventoSantoAntonio_rioOs milagres têm todos um cunho de intelectualidade original, que lhes marca a procedência. Em Ferrara cidadão nobre e respeitado suspeita, ciumentamente, da virtude da esposa, que acaba de ser mãe. A pobre apela para o Santo. Que há de fazer Antônio? A mais imprevista pesquisa de paternidade, antecedendo de séculos à própria ciência. Dirige-se ao recém-nascido: “Eu te conjuro, por virtude de Jesus Cristo, nosso Deus, nascido de Maria Virgem, que me respondas, perante este povo, mostrando teu pai”. E o recém-nascido, em voz clara, de um menino de dez anos, que indica o marido ciumento, dizendo: “Eis meu pai”. “Toma teu filho, diz-lhe o santo, por sua vez, e ama a tua mulher, cuja virtude é digna de ti”. Nós hoje fazemos falar os recém-nascidos voz do sangue, pela identificação dos grupos sangüíneos, que são hereditários e dão pista, dispensadas pelo milagre.

Os seus sermões despertavam universal curiosidade e produziam fruto incomparável; o povo reunia desde madrugada para achar espaço, ainda no descampado, porque, às vezes, falava a dezenas de milhares de devotos e um cronista refere mesmo 30.000 ouvintes. Uma devota do santo tinha marido doente e ímpio, que a impede de ir ao sermão, força é conformar-se, deixando a devoção pelo dever. Não importa, a duas milhas de distancia da praça, abre a mulher a janela e ouve, distintamente, a voz do Santo que lhe chega pelo milagre. O alto-falante e o rádio são os milagres de hoje. Santo Antonio é um precursor da ciência.

Santo Antonio_1Esse transporte a distancia, até do próprio corpo, é de outros milagres do santo. Um dia está Santo Antonio a pregar no Limosino, em França, quando se recorda que, no seu Convento longínquo, àquela mesma hora, prometera uma lição, no ofício das matinas. Aflito desse esquecimento, não querendo faltar, o santo para, cala-se e aparece lá distante aos Irmãos reunidos, surpresos e maravilhados. Lê a sua lição e reaparece no púlpito de Queyroix para continuar o sermão. Esse milagre de bilocação repete-se quando salva o pai da forca, falsamente acusado, fazendo falar o morto, que acusa o verdadeiro culpado, tendo o santo vindo de Pádua a Lisboa e tornado de Lisboa a Pádua. Ainda a ciência não pode pretender imitar a Fé. Não o digo, senão para mostrar o caráter intelectual dos milagres do santo, que precede mesmo a nossa alada razão.

Um dia, em Pádua, um rapaz confessa-lhe que, irritado, dera à própria mãe um pontapé, com tal violência, que a derrubara. Tomado de horror, diz o Santo: “tal pé, que ofendeu a pai ou mãe, deveria ser cortado!” Mas, importando a confissão arrependimento, diz-lhe o confessor que tal crime só lhe será perdoado, se a ofendida perdoar. Corre o pecador a casa, conta à mãe, que lhe diz: “farei como o Santo deseja, mas sempre devia haver uma penitência para filho que bate na mãe”.  O rapaz afasta-se e um grito terrível se lhe ouve. Tinha, com um machado, decepado o membro pecador. A pobre mãe é que, agora, aflita, busca o Santo, e Antonio restituiu, por milagre, o pé mutilado ao rapaz arrependido, punido e perdoado.

Santo ANtonio_2Há na vida de Santo Antonio, assim, muitos milagres, a mães aflitas, porém mães dignificadas, no seu amor, pela fé do homem de Cristo. É que a mãe, diz ele, num dos seus sermões, a mãe é o templo do filho. Imagem do poeta e, a um tempo, imagem de pregador realista, que não recua diante da mais ousada comparação. Como uma hóstia, como o seu sagrado amor, não o guardou no seu seio, o filho, dando-lhe vida? Mas tarde o coração lhe será o refúgio, o abrigo, que não lhe faltará jamais; como uma igreja sempre aberta aos fiéis, um amor de mãe jamais repudiará a sua criatura. Portanto, a conclusão do Santo vai abrasar a Teologia: Maria Santíssima é o templo de Deus.

O culto à Mãe de Deus deve a Santo Antonio quase outro tanto do que deve esse outro santo mariano, a São Bernardo. Foi este grande santo, tão perecido com o nosso, quem inventou e impôs, à Virgem, o apelido universal de “Nossa Senhora”. Tinham todos os corteses e piedosos cavalheiros medievais a sua dama e senhora, a quem votavam coração e vida: a galanteria e a polidez nos faz dizer a todas, extensivamente, “madame” “minha senhora”. Por que à Mãe de Deus, portanto mãe de todos nós, não havemos todos de chamar “nossa dama”? “Nossa Senhora”? Vede bem, esta simples designação, que o uso banalizou, tem um sentido profundo e social. Maria é a dama, é o ideal feminino de todos os cavalheiros, de todos os homens, de todos os crentes, desde a piedosa Idade Média cavalheiresca até sempre. A poesia de São Bernardo emparelha-se à teologia de Santo Antonio e daí “Nossa Senhora”, “templo de Deus”, que se confunde com a sua Igreja.

Há milagre amáveis, como este: Uma mulher piedosa era esmoler dos Frades Menores e isso contrariava o marido ímpio, que lho reprovou, uma vez. Palavra puxa palavra e passam aos atos: o bruto toma a esposa pelos cabelos e arrasta-a, por aí fora, até que lhos arranca completamente. No dia seguinte a dama reclama a Santo Antonio, a quem narra o ocorrido, dizendo-lhe: “Se rezardes por mim a Deus, ele me restituirá os meus cabelos”. – Foi para isso que me chamaste? Adeus”.

Santo Antonio_4Partiu naturalmente contrariado, pois, apesar de santo, era português. E um biógrafo, e lusitano, o meu douto colega Dr. Brás Luís de Abreu, no seu in-fólio de 1725, reconhece-lhe a tara de picar como zangão, ajuntando, graciosamente: “Antonio é português; e não te fies de português picado, ainda que ele seja um Santo Antonio”. O santo partiu, pois, zangado de o invocarem para essa frivolidade, uns cabelos de mulher… No caminho, porém, até o convento, refletiria que, enfim, podem violências ser provas de amor; por que não pedir, de futuro, outras declarações mais brandas, para só pedir a restituição de uns cabelos? Com eles, uma pecadora ganhara a glória: a Madalena enxugara, com os seus, os pés de Jesus, e isto lhe valera a palavra divina de salvação dos pecados: está em S. Lucas, VII, 38-50, e S. João, XII, 3-8.

O Apóstolo das Gentes estatuíra o protocolo da oração. Com efeito, pergunta S. Paulo: “É decente que uma mulher faça oração a Deus, não tendo véu? (I Cor. 11, 13). Para responder, adiante (Id. 11, 15): “É glória para a mulher deixar crescer os cabelos, porque eles lhe foram dados, em lugar de véu… Com a sua memória angélica pudera o santo ver Santa Inês despida ignominiosamente, resguardar-se no seu pudor, pelos cabelos que, milagrosamente, crescem, até envolvê-la no seu nimbo de mártir… Pudera ver, com visão profética, Joana d’Arc, séculos depois, entre os motivos de condenação à fogueira este, explícito: por ter os cabelos cortados. Decente, com eles; sem eles indecente. A pobre mulher tinha razão de invocar Santo Antonio.

Chegando ao convento, referiu o caso aos companheiros e convidou-os a orarem, com ele, pela pobre mulher. E como era sapientíssima sua memória dos textos sagrados, eles lhe viriam acudindo. À Providência nada é desprezível, tanto que disse o Senhor, e está em S. Lucas XII, 7 e S. Mateus X, 30 todos os cabelos de nossa cabeça serão contados. Quem toca num cabelo, ofende uma criatura, tanto que o provérbio: “não se tocará num cabelo de sua cabeça”, esta nos Três Livros dos Reis, está em Daniel no Antigo Testamento, e está em S. Lucas e nos Atos, no Novo Testamento. Nas mulheres, então, os cabelos são um adorno, uma graça divina. Uma só trança da esposa, no “Cântico dos Cânticos”, basta para seduzir a Salomão; no latim da Vulgata, pentear os cabelos, na versão dos Setenta, é “arranjar o ornamento da glória”. Traduzindo um texto semelhante de Ezequiel, S. Jerônimo escreve “coroas”. O penteado, que pressupõe cabelos, é uma insígnia natural de realeza.

Por que não havia a pobre mulher, esquecida das injúrias, de que fora batida e arrastada, pedir apenas os seus cabelos? E os cabelos lhe tornaram, como eram, belos naturalmente, que os não pediria, de outro modo. E maravilhado e arrependido – ou contente? – o marido mudou de sentimento pelos Frades Menores, se não mudou de fé.

Essa delicadeza do nosso santo, que na Idade Média se chamava “cortesia”, hoje havia de merecer aquele mesmo honesto elogio que os ingleses conferem a S. Francisco de Sales – “holly gentleman”, gentleman santo. Santo Antonio era, assim, galante. Vede se este outro milagre não depõe, pela sua beleza e elegância, neste sentido. Um pobre homem ajoelha-se aos pés do Santo, e, de tão comovido, nem se pode confessar; não consegue uma palavra.

Compreende Antônio, compassivo, essa confusão e consola o penitente. “Vá para casa, e, com cuidado, escreve numa carta o rol dos seus pecados”. Assim faz o bom homem e, ao outro dia, traz o papel escrito ao Santo… Ao mostrar-lho, porém, milagre! O escrito desapareceu, o papel está branco, imaculado. O arrependimento. Como uma tinta simpática, apaga a culpa e a memória. Santo Antonio, patrono dos homens de letras, que belo milagre faríeis, se apagásseis o papel borrado de tinta, que atulha bibliotecas do mundo! Não é certamente poder que falta ao patrono, é penitência, que falta aos letrados, endurecidos na reincidência…

Como S. Bernardo, e não como S. Francisco, o nosso santo chegava à violência, bem nosso e bem português, portanto, porem bem santo, porque a violência seria contra os poderosos, os grandes, os ricos, os dominadores. A Frei Elias, num concílio de Franciscanos, invectivou, diante do Papa; a clérigos e arcebispos admoestou, com bravura, e ao próprio sanguinário tirano de Verona, e, depois, de Pádua, Ezzelino, disse-lhe o que quis e devia dizer, de sua crueldade e abominação. Os guardas e domésticos, armas em mão, esperavam um sinal do déspota, para ferirem e despedaçarem o Santo. O tirano, comovido e amedrontado, ouvia aquele fluxo de condenação e anátemas. É que via, confessou ele depois, uma auréola de luz cercar aquela cabeça, e aquele gesto, e aquelas palavras o amoleciam e confundiam. Vencera o Santo cumprindo o seu dever sem temor, pois que Deus estava com ele.

Não insistamos. Esse taumaturgo impôs-se á fama medieval pela sua fé, pela sua razão, pela sua bravura, e deviam ser imensos os méritos do homem que inspirou tal crença, ainda que a nossa incredulidade não a possa compreender, nem explicar. Esse fumo de fama que sobe e enche o céu devia ter um imenso fogo que, aceso, lhe correspondesse, na realidade. Tamanho, que Santo Antonio, falecido e, 13 de junho de 1231, antes de um ano, milagre quase na Igreja, estava canonizado e no altar. Gregório IX teve de curvar-se à universal solicitação dos fiéis que, de Pádua, da Itália, da Europa, lhe pediam a Justiça da Igreja ao homem de Deus. Um santo era feito, como no Cristianismo primitivo, pela unânime devoção dos crentes.

E esse Santo, taumaturgo de mil milagres, é um grande homem de inteligência, de saber, de erudição, “Arca do Testamento”, toda ciência de seu tempo; “Martelo dos Hereges”, toda a política de sua Idade Média; foi lente, foi professor, foi orador sagrado e popular, de dezenas de milhares de ouvintes, comovidos e convertidos; foi escritor de sermões, que pregou, e de sermões para os outros pregarem. Tem mais obras escritas e impressas que muito acadêmico. Esse Santo Antonio que os outros admiram, e veneram, e proclamam, é português, como nós brasileiros, e letrados, como nós acadêmicos; por que não celebrá-lo como nosso, tantas vezes nosso? Santo Antonio é o patrono dos nossos homens de letras. Podemos, pois rezar-lhes as nossas orações, que nos aliviará, com a confrades.

Santo Antonio da BarraComo brasileiros já lhe devemos muito, tanto tem sido sempre proveitosamente invocado. Ele lá está, na barra da Bahia, defendendo o nosso porto, como outrora nos defendeu dos holandeses. Em 1697, após a extinção do quilombo de Palmares, para que foi invocado, foi Santo Antonio promovido a tenente, o que não é pouco, e hoje seria muito. Em 1706, D. João V havia de inscrevê-lo nas suas tropas, no próprio regimento real. Com o dom milagroso da ubiqüidade, em 1710, na invasão francesa de Duclerc, seria promovido a capitão no Rio de Janeiro. Levaria um século para ser promovido, por D. João, o Príncipe Regente, a sargento-mor. Foi esse mesmo D. João VI quem, em 1814, havia de promovê-lo a tenente-coronel de infantaria. Tudo isto com soldo e etapa, pagos ao guardião do Convento do Rio. Em 1890 Deodoro havia de tudo ratificar, isto é, a patente de tenente-general de terra e mar, insígnia de comando, faixas de honras, estipêndio, que lograra, da Independência à República.

Isto, até Ministro da Guerra o nosso Dantas Barreto, que quis lhe retirar a mais invejável das glórias, a da militança. Mandou chamar o guardião do Convento, e declarou-lhe, francamente o desígnio. O bom frade recordou modestamente os serviços prestados. O Ministro indagou:

– Mas está na ativa?

– Santo Antonio não cessa de fazer milagres, sempre ativo, invocado por todo o Brasil…

– Pois compareça no Quartel General…

E porque não compareceu foi demitido, simplesmente. Sem reforma. Ainda bem que não o declararam desertor.

Em 1923, sendo Ministro Calógeras, o guardião do Convento requereu-lhe o soldo de Santo Antonio, e foi ouvido o nosso Rodrigo Otávio, consultor da República que, depois de historiar o caso, nega tudo ao Santo, por ser “pessoa física ou jurídica, que, só estas, têm direito patrimoniais”. Quando os tempos são outros, até a mesma razão muda.

A festa de hoje na Academia é, pois, uma reparação. Felizmente a nossa admiração não mudará, a Santo Antonio militar ou civil. Sem obrigações, ele nos servirá melhor.

Num poema medieval, jóia literária do século XIII, Julião de Spira pergunta: Si quaeris miracula? Quereis milagres?

À invocação de Santo Antonio

A morte, o erro, a calamidade

Os demônios, a lepra, se afugentam,

Os doentes são curados.

Obedece o mar; partem-se as algemas;

Volta a saúde.

Velhos e moços o invocam

E acham objetos perdidos.

Tudo, a todos, glorioso Santo Antonio, podemos nós também rezar; queremos pedir-vos também alguma coisa, pouca coisa… Santo Antonio, restituí-nos, dai-nos, Santo Antonio, dai-nos o juízo que perdemos…

Eis, pois, a minha oração ao Santo cujo nome me honra, patrono dos amigos do livro, este audaz guerreiro que conquista o mundo inteiro, sem nunca ter Waterloo, como disse Castro Alves, nO Livro e a América.

Fernando Guedes

1/6/2010

maio 29, 2010 - Poligrafia    2 Comments

Políticos versus Ficha Limpa: 1 x 0

Campos_SalesManoel Ferraz de Campos Salles, ministro da justiça do governo provisório, malgrado sua perseverança, não conseguiu o Código Civil… Assumindo a presidência da república, em 15 de novembro de 1898, ressurgiu a oportunidade de obtê-lo, no seu quatriênio… À frente do ministério da justiça, o paraibano Epitácio Pessoa foi incumbido de remover todos os obstáculos que pudessem atrapalhar a tramitação do projeto, encomendado-o a Clóvis Beviláqua, em cuja capacidade confiava o ministro, para alcançar o resultado com rapidez e perfeição…

Rui, senador, com isso não concordava… Publicou dois artigos n’A Imprensa, 14 e 15 de março de 1899, antes mesmo do inicio do trabalho de Clovis Beviláqua, expondo, com eloqüência, suas razões, sobretudo contra a pressa que o governo queria se imprimisse ao trabalho.

Em seis meses estava pronto o Projeto Primitivo, que o ministro submeteu a uma comissão revisora (Comissão dos Cinco), e o entregou, revisto, ao Presidente Campos Salles, que imediatamente o encaminhou ao Congresso…

Somente no final de 1901, através de Comissão Especial (Comissão dos Vinte e Um),  presidida por José Joaquim de Seabra (que dá nome à Baixa dos Sapateiros), a Câmara começou estudar o projeto, fatiando-o em dezoito partes, entre os seus membros.

Entre dúvidas, confusões e divergências doutrinárias acaloravam-se os ânimos, colocando em risco a empreitada… O próprio Clóvis Beviláqua se ressentia das modificações que a Comissão imprimiu ao seu Projeto.

Clovis BeviláquaPronta a obra, aproximando-se o fim do quatriênio, depois de tantas sofridas discussões, houve quem lhe criticasse o estilo da redação. Sobreveio, então, o pasmo: passaria ela pelo crivo de Rui, no Senado? Claro que não! Que fazer então?!  Só havia uma solução, que estava na Bahia… Para aqui veio J. J. Seabra, com um exemplar do projeto, para submetê-lo à correção do Professor Ernesto Carneiro Ribeiro, ilustre gramático, que fora professor de Rui. Depois de Carneiro, não ousará Rui… pensou mal Seabra.

O grande professor teve apenas quatro dias e algumas hora para revisar 1.832 artigos e anotar correções! Nessa condição, era razoável que cochilasse; afinal, disse Horácio, às vezes até o bom Homero cochila.

Quando o projeto chegou ao Senado, em 31 de março de 1902, lá estava Rui à frente da Comissão Especial à sua espera. Não deu outra, como se diz vulgarmente… No Parecer Sobre a Redação do Projeto do Código Civil o discípulo não poupou o mestre.

Crneiro RibeiroCarneiro respondeu com as Ligeiras observações sobre as emendas do Dr. Rui Barbosa feitas à redação do Projeto do Código Civil, isto é: cutucou onça com vara curta… Rui, depois de estudar e sistematizar as idéias, replicou em alto estilo, com a Réplica…  Sobre essa pendenga gramatical, Afrânio Peixoto escreveu, no Breviário da Bahia: “Resultado: penalty ou réplica. Elas por elas, 0 x 0, apesar da réplica de Carneiro à Réplica: A redação do Projeto do Código Civil e a Réplica do Dr. Rui Barbosa”.

O Brasil, com esse episódio, aprendeu estilo, porque, como disse o próprio Clovis Beviláqua, “O que é esse trabalho sabem-no todos, pois não só os juristas se interessaram por ele, senão também os leitores, e, ainda, os que apenas sabiam ler.” Mas, com o Projeto Ficha Limpa que aprenderá o Brasil?  Evidentemente, não há comparação. Um Código Civil é outra coisa… Tudo quanto, de mais caro, diz respeito ao cidadão, nas suas relações civis, nele está disciplinado. Por isto deve ser pensado com prumo, discutido com tempo, redigido no mais claro e correto vernáculo. Vida, propriedade, honra, tudo quanto é mais precioso, dependerá sempre da seleção das palavras. Os vocábulos da lei hão de pensar-se como diamantes, disse Rui, na Réplica.

rui_barbosaO Projeto Ficha Limpa, que visa a impedir a candidatura de pessoas condenadas “em primeira instância ou única instância ou tiverem contra si denuncias recebida por órgão judicial colegiado”, para ser aplicável às eleições de outubro próximo, foi submetido ao mesmo interesse da pressa dos seus patrocinadores. Até chantagem e barganha houve: “Só votaremos o Pré-sal se nos permitirem votar o Ficha Limpa”. “O Ficha Limpa é do interesse da sociedade, não é do interesse do governo”… De tudo houve, para o projeto ir à votação. E o foi, mas não sem antes sofrer, de última hora, uma emenda que lhe alterou o conteúdo, com a desculpa de uniformizar os tempos verbais, disse o autor. Simularam uma simples emenda de redação e não devolveram o projeto à Câmara.

Em vez de “os que tenham sido condenados”, a filologia do Senado preferiu “os que forem condenados”. Como não podiam rejeitar o projeto, em momento eleitoral, cuidaram de plantar a dúvida, para ser resolvida pelos gramáticos do Supremo Tribunal Federal. Como um processo dessa natureza tarda tanto, o mandato se expirará antes do transito em julgado…

Entram em campos os “especialistas”: uns dizem que os políticos já condenados foram excluídos do alcance da lei, outros dizem que esses políticos são alcançados pela lei. “Condenados” seria adjetivo, incluindo todos os que estão na condição de condenado, opinam uns. “Forem” é verbo de ligação, que não indica ação futura, senão um estado ou qualidade do sujeito, dizem outros.

Ivanildo Bechara, filólogo, da Academia Brasileira de Letras, é de parecer que “tenham sido” é mais claro, por indicar aqueles que já foram condenados no passado, ao passo que  a expressão “os que forem condenados” suscita duas interpretações: aqueles que vierem a ser condenados (futuro) e aqueles na condição de condenados (presente).

Outro professor opina que “tenham sido” é pretérito perfeito do subjuntivo e “forem” é futuro do subjuntivo. “Forem condenados” é o mesmo que “vierem a ser condenados”, os que serão condenados no futuro, afirma ele.

Eis a questão: como interpretarão, já que há margem para isto, os tribunais, porque é certo que os políticos recorrerão? Quem tiver a paciência de assistir, pela TV, a uma seção do Tribunal Superior Eleitoral ou do Supremo Tribunal Federal, imaginará o que será decidido…

Penso que se os políticos quisessem clareza não redigiriam no modo da dúvida, o subjuntivo, buscariam-na no indicativo, que enuncia o fato de modo real, positivo. Nos elogios ao Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes, que já não se lê, escolho este: “O verbo é a palavra, a palavra por excelência, e seu regime é a sua vida.”

Bem, sei que não se pode comparar, não obstante a minha ignorância futebolística, um “clássico” com uma “pelada”, porém ambos têm resultado, que é o interesse de quem torce… O do “clássico” Carneiro versus Rui (Câmara x Senado) já o revelei. O da “pelada” Políticos versus Ficha Limpa (Congresso x Sociedade) revelarei agora: 1 x 0 para o “Time de Brasília”, placar conseguido no último minuto do segundo tempo, com a catimba senatorial.

Fernando Guedes

25/5/2010

maio 3, 2010 - Poligrafia    No Comments

Farinha do mesmo saco…

Depois que o Supremo Tribunal Federal, em demorada seção, rejeitou a ação impetrada pela OAB, reivindicatória de nova interpretação da Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como lei da anistia, com a intenção de punir crimes comuns cometidos por agentes do Estado, leio, nos jornais de hoje, manchetes enganadoras, como esta do JB: “Torturadores continuam impunes, decide STF.” No próprio sítio eletrônico da OAB, esta: “Supremo Tribunal Federal não faz justiça ao anistiar torturadores.”

Depois do longo voto do ministro relator, Dr. Eros Grau, elogiado por toda a corte como um voto antológico, por abranger todos os aspectos suscitados pela causa: jurídico, sociológico, histórico, filosófico etc., seguiram-se outros, seis, contra a pretensão da OAB. Vencidos dois, um do ministro-poeta, que abusou, sem êxito, das figuras de linguagem, como se tivesse versejando o poema da antijuricidade… Como jurista, foi poeta de mais, por isto fingiu, como fingidor é o poeta (Finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente. – Fernando Pessoa).

Sete a dois: o enterro de uma pretensão descabida… A aludida lei foi o resultado de um pacto, negociado por quem então tinha legitimidade para celebrá-lo (CÉSAR PELUSO), inclusive a OAB, sob a presidência de Seabra Fagundes, que sabia que o projeto da anistia só prosperaria se fosse bilateral e extinguisse  os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

A bilateralidade e abrangência a crimes de qualquer natureza foi o espírito da lei da anistia, reconhecido por figuras insuspeitas como Paulo Brossard, Raimundo Faoro, Teotônio Vilela, Rafael de Almeida Magalhães etc. O Conselho Federal da OAB de então emitiu uma manifestação unânime sobre o projeto de lei, reconhecendo-o, a esse espírito, e a amplitude heterodoxa da definição dos crimes abrangidos.

O parecer foi elaborado por Dr. Sepúlveda Pertence, que o reiterou, trinta e um anos depois, numa entrevista, repetida com exaustão na seção do STF. Disse: “Se não pude evitá-lo, é porque a minha convicção jurídica continua a mesma do parecer apresentado à Ordem, em 1979: não obstante toda a nossa repulsa à tortura estatal, os torturadores foram, sim, anistiados pela lei de 1979.”

Mas, torno ao contexto do título… A opinião pública é, em última análise, a vítima desse sistema desonesto de informação, instituído nesta nossa sociedade contemporânea. Vejam: “Torturadores continuam impunes, decide STF”, afirmou um dos grandes jornais brasileiros. Não foi isto que o STF decidiu. Decidiu que a lei da assistida foi regularmente decretada, que cumpriu o efeito para o qual foi decretada, e anistiou bilateralmente crimes de qualquer natureza. Não continuam, pois, impunes os torturadores, porque, no período de dois de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, não há crimes a serem punidos, porque a lei os extinguiu. Se os crimes foram extintos, a punibilidade deles também, por conseqüência, o foi. Diga-se isto à sociedade.

Supremo Tribunal Federal não faz justiça ao anistiar torturadores”, afirmou o site da OAB. Se esta afirmação fosse de um panfleto qualquer a ignorância que encerra seria relevada… Não pode ser, sendo de quem é. Quem anistiou os criminosos foi o Congresso Nacional, ao decretar a lei da anistia. Será que a OAB não sabe disto? Sabe, muito bem! Se não é ignorância, que não pode ser, o que é, então? Enganadores, esses que não se convencem do próprio equívoco, e tentam enganar a esses que não aceitam a realidade dos fatos. Enganadores e enganados: farinha do mesmo saco…

Que me não venham dizer que eu esteja, com este artigo, defendendo tortura e torturador. Não, não… mil vezes não! Se eles, os torturadores, de ambos os lados, foram beneficiados com a anistia, que lhes suprimiu os crimes, não o serão nunca apagados da memória dos que sobreviveram às suas atrocidades, nem da dos que, embora as não sofrendo, tiveram delas consciência.  Que se abram, logo, esses arquivos, para que a sociedade possa se defrontar com verdade e conhecer-lhe a dimensão, seja ela qual for.

Fernando Guedes

30/04/2010

abr 28, 2010 - Poligrafia    2 Comments

Pedofilia: crime ou doença?

No es menester mucha psicologia para  adivinar que esos juicios son anormales y  provienen de uma lógica enfermiza.

José Ingenieros

O vulgo tem tendência a supor vício e perversidade, o que é perversão e necessidade doentia do degenerado. O Marquês de Sade, se não tinha observação, possuía a consciência desse estado, do qual sofria. São dele estas palavras, que revelam como foi o primeiro a compreender a psicologia mórbida dos desvios sexuais: Se há seres no mundo cujos atos chocam todas as idéias comuns, não há porque admoestar nem punir… porque seus gostos extravagantes dependem tanto deles quanto de vós o serdes inteligentes ou estúpidos, bem feito ou aleijado… Para que serviriam as vossas leis, vossa moralidade, vossa religião, vossas virtudes, vosso paraíso, vossos deuses, vosso inferno, como se pudesse demonstrar que tais ou quais fluidos, tais fibras, uma certa acrimônia de sangue ou do corpo, bastam para fazer de um homem objeto de vossos castigos ou recompensas? São profundas e proféticas estas palavras: só hoje em dia, graças aos estudos clínicos e psicológicos dos Krefft-Ebing, Moll, Féré, Havelock, Ellis… começam a ser julgados, menos pelos vícios de que por sua doença, como anômalos e não como perversos (AFRÂNIO PEIXOTO, in Sexologia Forense). Mas, o que vemos? Um recrudescimento da ignorância em pelo avanço científico, um retorno aos obscuros tempos do Marquês de Sade…

Não tenho, com este artigo, a pretensão, que não me cabe, de atualizar o magnífico texto de Afrânio Peixoto, obra que professores de Medicina Legal, da atualidade, estão devendo à cultura médica. Move-me apenas a intenção de fazer uma replica ao que vejo divulgado pela mídia sobre pedofilia, a essa avalanche de besteiras e imposturas que rola, pelo declive da ignorância, sobre a sociedade, ameaçando soterrá-la com o lixo da anticultura.

Pedofilia: transtorno mental, que devia continuar nos tratados de Psiquiatria, de uma hora para outra, por obra da retrogradação obscurantista, nesse estranho código penal, que os moralistas do congresso e da mídia têm escrito em suas mentes. O doente, que devia ser compreendido e tratado convenientemente, é condenado, num julgamento estúpido, por esses moralistas acanhados…  Pelo andar da carruagem, como se diz vulgarmente, terá, por remédio, a pena de prisão perpétua, porque criminoso hediondo eles já o consideram…

É somenos, parece, a proclamação constitucional de que não há crime sem lei anterior que o defina (Art. 1º., inciso XXXIX), como a confirmação, ipsis litteris, do Código Penal (Art. 1º.), porque ouço gente, que se diz instruída, que faz opinião, que governa, que legisla, que julga, dizer, alto e bom som: “crime hedionda de pedofilia”!

Recentemente, em 2009, o Código Penal brasileiro sofreu acréscimo, inspirado por esse clima moralista que anuvia o senso coletivo, dos seguintes tipos criminais:

Estupro de vulnerável: Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos;

Corrupção de menores: Art. 218.  Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem;

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente: Art. 218-A.  Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem.

A isto se referem como crime de pedofilia. Evidente que o indivíduo que cometer qualquer desses crimes está sujeito, depois de indiciando, julgado e condenado, a pena que varia de 2 a 30 anos de reclusão. O que não divulgam é que o agente, nesse caso, pode ou não sofrer do transtorno mental da pedofilia. Se sofrer, é necessário que se averigúe, por perícia médico-legal, se é ou não inimputável (Art. 26). Se inimputável, sofrerá medida de segurança (Art. 97), tratamento ao invés de pena. Não definiu a lei, ainda, o crime de pedofilia.

Há, no vastíssimo campo dos transtornos mentais, um capítulo que tem despertado, nestes dias, muita atenção: Parafilias. São expressões anormais da sexualidade, que podem variar de um comportamento quase normal a um comportamento destrutivo ou danoso somente para a própria pessoa ou também para o parceiro, até um comportamento considerado destrutivo ou ameaçador para a comunidade como um todo (SADOCK E SADOCK).

A característica clínica é a presença de uma fantasia que induz o paciente a o comportamento ansioso, compulsivo, que suscita atração sexual por objetos, atividades ou situações incomuns, causando-lhe, por vezes, sofrimento significativo.

Para não ser argüido de desatualizado, valho-me do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, para declinar os diagnósticos incluídos na definição de parafilia:

Exibicionismo, fetichismo, frotteurismo, pedofilia, masoquismo, sadismo, fetichismo transvéstico, voyeurismo, escatologia telefônica, necrofilia, parcialismo, zoofilia, coprofilia, clismafilia e urofilia.

Como não intento discorrer sobre essa vastidão psiquiátrica, por me faltar competência, grifei o transtorno mental da moda, para tentar desfazer alguns os equívocos que o cercam.

Pedofilia é o transtorno mental que suscita uma atração sexual ansiosa e compulsiva por criança pré-púbere (13 anos ou menos). O pedófilo deve ter 16 anos ou mais e ser pelo menos 5 anos mais velho que a criança que lhe desperta a atração sexual. O citado manual faz, ainda, menção a: o tipo exclusivo, que induz o doente a ter atração somente por criança, e o tipo não-exclusivo, em que a atração sexual às vezes é dirigida a adultos, como se fora uma restabelecimento da normalidade sexual.

A Classificação Internacional de Doenças, na sua edição atual (CID 10), a reconhece como um dos transtornos da personalidade e do comportamento do adulto, e a inclui na rubrica dos transtornos da preferência sexual (código F65.4) com esta definição:

Preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade.

Portanto, a sociedade precisa ser advertida, despertada da letargia que lhe causam essas teorias grotescas, de uma criminologia pré-lombrosiana.  Não se trata de ação nociva que viola o sentimento médio de piedade e de probidade, numa palavra, uma anomalia moral. Estamos falando, precisamente, de um distúrbio mental, que requer, para prevenção e contenção, medidas científicas, disponíveis em qualquer sociedade civilizada. Se assim não for, ao cabo, permanecendo o assunto no âmbito dessa ação parlamentar demagógica, sendo pasto virente da mídia voraz, irá para o cárcere quem devia ir para o manicômio judiciário ou para o consultório psiquiátrico. É preciso deter esse proselitismo inconseqüente da necessidade de pena de prisão perpétua e de cadastro nacional de pedófilos, como os remédios para tratamento de um transtorno mental.

A atração sexual por criança, do pedófilo, não decorre de uma perversidade consciente, própria do “mau caráter”; decorre da vítima que ele é de uma compulsão, que o transtorno mental lhe impõe, sem lhe deixar, muitas vezes, a faculdade de uma sublimação. Espero, sinceramente, que ao menos os médicos, não propriamente os psiquiatras, entendam isto.

Os tipos definidos nos artigos 217-A, 218 e 218-A do Código Penal não são crimes privativos de pedófilos. Há pedófilos que nunca delinqüem; por razões diversas: tratamento farmacológico, psicoterapia, educação, religião etc., conseguem reprimir sua compulsão. Por outro lado, uma pessoa livre desse transtorno mental, por circunstâncias outras (idneducação, miséria, baixo senso moral, etc.) pode delinqüir, praticando esses crimes. O homem, definiu-o Ortega y Gasset, é o que é e suas circunstâncias…

O erro está nessa monomania de considerar a pedofilia crime, que deve ser punido com a pena de prisão perpétua, sob a alegação de que o pedófilo, pela pena, não se recupera. Evidente que não… como não recupera o sádico a reclusão. Segregada, sem terapêutica adequada, agravar-se-á qualquer doença, de qualquer natureza…

Há, aqui, uma tênue linha que separa perversidade de perversão doentia, que espíritos ilustrados (IGENIEROS, AFRÂNIO PEIXOTO, ALMEIDA JÚNIOR, VEIGA DE CARVALHO etc.) conseguiram divisar. Há, contudo, outros, numerosos, que a não querem ou a não podem ver… E não se caçam de perguntar: A sociedade, como se protegerá? Não é tarefa simples responder a esta pergunta, o que não justifica que se busque na solução simplista da criminalização atos que reclamam outras soluções: educação, informação, terapêutica, acesso aos meios dignos de sobrevivência, proteção da infância etc. etc. Se a sociedade a quer respondida, com prumo e civilidade, que reúna, num congresso, psiquiatras, clínicos, sociólogos, antropólogos, psicólogos, filósofos, economistas, juristas, educadores, etc., para que possam, longe das emoções, com serenidade, discutir, debater e apontar o caminho seguro da solução.

Fernando Guedes

abr 11, 2010 - Poligrafia    No Comments

Choveu de mais!

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se eu deliro… ou se é verdade

Tanto horror perante os céus…

Castro Alves

Cheguei ao Rio dia seis, por volta das vinte e uma horas, e encontrei a cidade pelas chuvas sitiada… Como se fora tomada de assalto pelo exército hídrico, que lhe impôs um estado de sítio! Nada funcionava, para tomar um táxi, do Galeão ao hotel, no Catete, esperei cerca de quarenta minutos.

No dia seguinte, no percurso do hotel ao edifício da Petrobras, na esquina da rua Graça Aranha com a rua Almirante Barroso, caminhando, passei pela Cinelândia, onde ainda estava erguido o palanque do protesto contra a emenda Ibsen, e deparei-me com o caos de sempre: albergue de uma subumanidade que às autoridades administrativas não constrange…

Depois, vi prefeito carioca, pela TV, solicitar às pessoas, habitantes de áreas de risco, que abandonem suas casas, sobe o lema simplista que é melhor ser desabrigado do que soterrado. Vi, também, o governador abraçar vítimas atônitas…

No dia seguinte, em Niterói, o Bumba desabou soterrando dezenas de casas. A horripilante estatística dá, até agora, vinte e sete cadáveres resgatados e estima que ainda estejam soterrados mais de cem. Era noite quando houve o desabamento, “surpreendendo” as autoridades que não sabiam que aquelas casas foram construídas sobre um aterro sanitário, desativado por elas mesmas na década de 1980. O secretário de saúde e defesa civil, espantado, no local da tragédia, suspeitou que estivesse pisando em lixo, em face do mau cheiro característico da decomposição orgânica.

A mídia, ainda na ressaca da cobertura do caso Isabella Nardoni, sobre quem já não fala, concentrava sua interessada atenção na cobertura do horror atual, para garantir a audiência que lhe garante faturamento. Insólitas eram as imagens, desoladas as cataduras, tristes e humilhados os ânimos: todas, juntas, as manifestações humanas em face de uma catástrofe.

Divulga-se que o desabamento fora precedido de uma forte explosão, provavelmente decorrente da inflamação do metano, no subsolo armazenado. Ouvindo essa explosão, que a intrigou, uma jovem mãe saiu à rua para conferir o que estava se passando, com sua filha de nove meses nos braços, e foi surpreendida pela nefasta torrente, que soterrou sua casa, deixando-a sem condição de tornar para resgatar o outro filho… Pungiu-me a alma o lamento daquela mãe:

Meu pobre filhinho está soterrado sob toneladas de terra!

Como eu posso atribuir esse crime, simbólico de todos os outros ali cometidos, ao fenômeno natural? Não, senhores administradores públicos! Se Zola pudesse escrever sobre ele, como escreveu aquela monumental página de 13 de janeiro de 1898, que passou para a história com o título J’accuse, certamente lhes diria: “Eu os acuso de terem permitido que pessoas humildes, ignorantes da geologia, desconhecedoras da geomorfologia, construíssem suas casas em área de risco”.  Oh! Ministério Público, que mais é preciso, se tem reconhecidos o corpo de delito, as testemunhas e os autores? Onde os manifestantes de ocasião, que não clamam, agora, por justiça, postando-se, com suas faixas acusadoras, em frente dos Palácios? Será que o soterramento de uma criança de cinco anos é crime menos violento do que a defenestração de outra?

Agora, depois da inevitável tragédia, se desvelam em providências tardias: liberam-se verbas, mobilizam-se recursos humanos e materiais, improvisam-se abrigos, recolhem-se mantimentos, medicamentos, roupas etc., mas nunca assumem a responsabilidade da negligência, que procuram dissimular com gesto hipócrita traduzido na expressão:

– Choveu de mais!

Fernando Guedes

08/04/2010

P.S: Mutatis mutandis, tudo o que escrevi aplica-se a Salvador.

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