Archive from agosto, 2005
ago 3, 2005 - Poligrafia    No Comments

Até agora!

O que afirma o deputado Roberto Jerfferson, contesta do deputado José Dirceu, que é contestado, no que afirma, por Jerfferson. Isto é, está a nação diante de uma mentira. Mas, que há de novo em mentir-se nesta desgraçada nacionalidade? Absolutamente nada! Esta República, que foi fruto de uma mentira, degradou-se nos descaminhos da inverdade, e esta tem sido, há mais de um século, a prática dos nossos políticos.

Tudo, exatamente tudo, nesta República é mentira, quem o afirmou foi um insuspeito republicano de primeira hora, Rui Barbosa, em 1919. Disse a águia de Haia, ao se referir à prática republicana brasileira: “Mentira nas promessas. Mentira nos programas. Mentira nos projetos. Mentira nos progressos. Mentira nas reformas. Mentira nas convicções. Mentira nas transmutações. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. Mentira dos caudilhos aos seus apaniguados, mentira dos seus apaniguados aos caudilhos, mentira dos caudilhos e apaniguados à Nação. Mentira nas instituições. Mentira nas eleições. Mentira nas apurações. Mentira nas mensagens. Mentira nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentiras nas candidaturas. Mentira nas garantias. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. Mentira geral. O monopólio da mentira. Uma impregnação tal das consciências pela mentira, que se acaba por se não discernir a mentira da verdade, que os contaminados acabam por mentir a si mesmos, e os indenes, ao cabo, muitas vezes não sabem se estão, ou não estão mentindo. Um ambiente, em suma, de mentiraria, que, depois de ter iludido ou desesperado os contemporâneos, corre o risco de lograr ou desesperar os vindouros, a posteridade, a história, no exame de uma época, em que, à força de se intrujarem uns aos outros, os políticos, afinal, se encontram burlados pelas suas próprias burlas, e colhidos nas malhas da sua própria intrujice, como é precisamente agora o caso”. Será preciso dizer mais uma palavra?! Talvez: mentira de Jefferson a Dirceu, mentira de Dirceu a Jefferson. Mentira de Lula à nação, mentira da nação a Lula… Mas, estou dizendo a mesma coisa! Sim, eis a nossa República: ontem e hoje, que se resume nestas frases proferidas da tribuna do Senado Federal, por Rui Barbosa, na sessão de 17 de dezembro de 1914:

“A opinião pública está inquieta por ver que tem havido até agora no seio do governo elementos interessados em obstar a responsabilidade dos culpados.”

“Alguma coisa, porém, há de que todos nós sabemos; é que os responsáveis por esses crimes estão vivos; é de que eles se acham dentro do território do nosso País, sujeitos à ação das nossas leis; é que os documentos comprobatórios desses crimes se acham no arquivo público, nas secretarias, nas mãos do Governo Federal; é que a justiça não se instaurou, porque o Governo Federal não permitiu, porque o Governo Federal abafou esses documentos, porque o Governo Federal era até ontem cúmplice nesses crimes.”

“A falta de justiça é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação. A sua grande vergonha diante o estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais”.

“A injustiça desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vem nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.”

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos anos.” Se ele fosse vivo diria: até agora!

Fernando Guedes

Salvador, 3/8/2005


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