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out 29, 2010 - Poligrafia    No Comments

… Mais dois votos para saciar-se.

A nação, pelo menos a ínfima parcela civilizada, assistiu, estarrecida, a mais um espetáculo deprimente do Supremo Tribunal Federal. A TV justiça, sem censura, o mostrou…

Com a mesma composição par que enfrentou o caso Roriz, que resultou no impasse do empate, o juiz presidente apregoou caso da mesma espécie, o RE interposto por Jader Barbalho, tão igual ao outro que caberia numa súmula. Sabiam aqueles senhores que o empate era o seu desiderato, porque nenhum deles mudaria de opinião. Esperariam a confusão do empate para, num clima deprimente, que justificaria qualquer decisão salvadora, mudar subliminarmente duas posições, pensando que salvariam, assim, suas reputações de juízes insuspeitos.

Foi o que aconteceu, dentro da previsão. Quando os ministros adentraram a sala do plenário, em fila, com suas negras togas, somente o Crucificado, na parede, estava constrangido… Por saber que aquela assembléia, na figura do seu presidente, encarnaria, novamente, a judicatura de Pilatos, e por não servir, naquele plenário arrogante e vaidoso, de exemplo!

Ao comando do presidente, sentaram-se os ministros; a câmera os mostrou, em close-up… As cataduras, de muitos, eram estranhas; não eram de serenidade. Também não se divisava nelas atormentação. Eram estranhamente cínicas.

Voto por voto, o mesmo placar: 5 x 5. Novamente o empate; novamente o impasse! Não tiveram sequer o elementar cuidado de discutirem, antes do julgamento, lá no conforto e no luxo dos gabinetes, onde nada lhes falta, o critério que iriam adotar em face do inevitável empate. Soberbos, expuseram os intestinos sombrios das vaidades em concorrência. A impressão que passam é de que eles não se toleram na intimidade…

Já não era a deseducação, de uns para com outros; já não era descortesia de um ministro para com seu par, que vimos no julgamento anterior. Ao que assistimos, nesta assentada (como eles dizem), desculpem-me a franqueza, foi o descer ao alcouce cruel da descompostura. Já não se pediam, com educação, apartes ao orador, interrompiam-no de chofre, com ironias, com desdém… Houve juiz que foi constrangido, antes de terminar sua argumentação, a pronunciar seu voto. Ele teve que reagir, perguntado: – A ministra está presidindo a seção? Ao que recebeu, por resposta, o atrevimento dessa frase: – A seção está sendo bem presidida pelo ministro Peluso. Do outro lado, a indiscrição: – A ministra está com viagem marcada e não pode esperar? O atrevimento transmutou-se em ironia: – O respeito ao tempo dos outros é cortesia que se impõe, que provocou a frieza lacônica do interlocutor: – É o que exijo!

Quando um se referiu ao outro como “engenheiro constitucional”, este sacou a mascara de tranqüilo meditador e atacou, com a cara limpa da insolência: – Eu sou constitucionalista. Não sei se Vossa Excelência o é. Ministro, de Corte Constitucional, embora poeta, que põe em dúvida, publicamente, o saber do seu par, não precisa usar pronome de tratamento, porque, nessa situação, Vossa Excelência não é respeito, nem deferência, é falsidade mesmo!

Para encurtar o relato, logo o fim… Depois do 5 x 5, encurralados pelo impasse, o juiz presidente, na sua humilhação, por ter se abdicado de cumprir o seu dever regimental, de pronunciar o voto de qualidade, parecia não saber por onde começar. O expediente de adiar o julgamento tornou-se ridículo; restou-lhe transferir para o plenário a incumbência de engendrar um critério de desempate, a partir de interpretações heterodoxas do regimento. Para solucionar um casuísmo, cumpria-se, ali, ignorar a Constituição e o Direito, para construir outro, isto deve ser obra de bons “engenheiros constitucionais”.

Coube ao prolixo decano apresentar uma opção diametralmente oposta ao voto que acabara de proferir. Aproveitou a confusão para emergir como salvador do STF, mudando subliminarmente seu voto com sugestão da aplicação, por analogia, de determinado artigo do regimento, que implicaria a manutenção da decisão impugnada. Isto é, ele que acabara de votar contra a eficácia da lei, estava votando a favor dela.

Ele mesmo, “engenheiro constitucional”, desconstruindo sua própria obra de argumentação, cujos escombros interessavam aos defensores da manutenção de uma lei personalizada, que desrespeita os princípios constitucionais da anualidade e da irretroatividade… A manutenção da eficácia de uma lei idiota do princípio ao fim, da cogitação à promulgação, que retroage para revolver o passado, cuja violação nem o antigo direito romano tolerava, e colher fato determinado, já consolidado, par atribuir-lhe conseqüência jurídica gravosa no presente, não é pendor de civilidade, é a efígie repelente da arbitrariedade. Não me engano com esses democratas de meia-tigela.

Votaram a proposta: 7 x 3 foi o placar… Constrangeu-me escutar o que ouvi do juiz presidente: que aderia à proposta consagrada pela maioria, para por fim ao impasse, mas o fazia em desacordo com as suas mais caras convicções jurídicas. Peluso, “naquele momento, entrou num misterioso futuro”, do juiz que muda de posição sem nenhuma razão jurídica para fazê-lo. O Crucificado, às suas costas, pareceu-me ter chorado ao assistir, mais uma vez, um juiz abdicar-se da judicatura, para atender, à revelia da Constituição, aos interesses da maioria. A maioria a quem Pilatos atendeu é o mesmo monstro que conseguiu, do STF, mais dois votos para saciar-se.

Fernando Guedes

28/10/2010

out 3, 2010 - Poligrafia    No Comments

Para que serve o título eleitoral?

Vamos recordar… Em 2009 o Congresso aprovou o que ficou conhecido como “minirreforma eleitoral”, que introduziu a obrigatoriedade da apresentação, no ato da votação, o título eleitoral e um documento de identificação com fotografia. Não havendo nenhum questionamento na fase legislativa, nem veto do executivo, a lei entrou em vigência, com eficácia para as eleições de 2010, já que o princípio da anualidade exigido pela Constituição fora obedecido.

O próprio Tribunal Superior Eleitoral (STE) se esmerou em defendê-la e foi operoso em colocar na mídia uma campanha institucional alertando a população da necessidade de se apresentar à seção de votação com o título e com um documento de identificação com fotografia. A população atendeu aos reclamos dos Tribunais Regionais Eleitorais, que tudo fizeram para atendê-la tempestivamente.

Tudo estava na mais absoluta normalidade até que o marqueteiro do PT percebesse, já no memento mesmo da eleição, algum prejuízo que a obrigatoriedade da apresentação dos dois documentos poderia causar à sua cliente, e recomendou ao partido tentar impugná-la no Supremo Tribunal Federal (STF).

Assim se fez: o PT resolveu argüir a inconstitucionalidade da norma, que ele mesmo aprovou no Congresso, por temer prejuízo à sua candidata, e o DEM a defender tese contraria à do PT, por entender que o prejuízo que viria a sofrer a candidatura do adversário beneficiaria a sua. Nenhum deles preocupado com a lisura da eleição, apenas na conveniência política de vencê-la.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra relatora apelou para o tal “princípio da razoabilidade” para decretar facultativa, no ato da votação, a apresentação do título eleitoral. Depois das costumeiras discussões tediosas, cheias de metáforas, de ironias e alfinetadas, que a TV Justiça transmite, ao vivo, sem nenhuma censura, com um escore de 7 x 0 a favor da tese da relatora, o ministro Gilmar Mendes pediu  vista, interrompendo o julgamento, o que provocou murmúrios…

Os jornalistas Moacyr Lopes e Catia Seabra que assinam  a matéria Após falar com Serra, Mendes para sessão, na Folha de São Paulo de hoje, afirmaram que o ministro interrompeu o julgamento depois que recebeu um telefonema do candidato José Serra, interessado na manutenção da obrigatoriedade impugnada. No Outro Lado, do mesmo jornal, publicaram-se desmentidos de ambos: Serra não ligou; Mendes não falou com Serra.

Supor que político brasileiro, candidato numa eleição sem chance de ser eleito, ouse tamanha intimidade com ministro da Corte Constitucional, que ministro dessa mesma Corte receba ligação de candidato interessado na causa em julgamento, é “um salto triplo carpado jornalístico”, como se diria lá mesmo no STF…

Liguei a TV e lá estava o ministro Gilmar justificando-se e esclarecendo, em tom professoral, o que significa, no mundo jurídico, pedir vista… Proferiu um voto seguro, em favor da segurança jurídica, justiça lhe seja feita.

Encerrando o julgamento, o ministro presidente, incisivo, respondeu-me a pergunta do título: “a Suprema Corte acabou de decretar o fim do título eleitoral”. Se o título eleitoral é dispensável para a finalidade para a qual foi instituído, não serve para nada. Parafraseando o que Sua Exa. disse, no julgamento desempatado por Roriz (Um tribunal que atenda a pretensões legítimas de segmentos do povo ao arrepio da Constituição é um tribunal no qual nem o povo pode confiar.), digo que esse mesmo povo não tem razão para confiar num tribunal que atenda a conveniências políticas.

Fernando Guedes

30/9/2010


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