Archive from fevereiro, 2013
fev 8, 2013 - Poesia    No Comments

Congresso

Mote:

Como pode um político ficha suja,

É a pergunta que não quer calar,

Ser eleito para presidir o Congresso,

A casa do Poder Parlamentar?

                                                                                    (Darlan Fagundes)

 

Glosa: 

Casa da qual a honestidade não se espera,

Onde, descaradamente, triunfa a nulidade,

E a desonra impunemente prospera,

Renan a ela se iguala, na integridade…

-x-

Dizem, sem razão, que ali há honesto…

Não o creio, porque lá não permanece,

Sem se hipotecar a interesse funesto.

Sem se sujar na corrupção que lá floresce…

-x-

Ontem – Pinheiro Machado por o dono…

Hoje – Sarney e seus Maribondos:

Peçonha que impõe à nação letárgico sono!

-x-

Enquanto não se chega ao poder: Oposição,

Crítica e denúncia… Mas se arruma e cala,

É o poder próximo, a realidade da Situação!

                                               (Fernando Guedes)

                                                     8/2/2013

                                                                                                                                                                                                                                                                               

fev 8, 2013 - Poligrafia    11 Comments

Santa Maria…

Morro porque não morro.

Santa Tereza de Jesus

 

Um berço tem algo de sepulcro e é a merca  de nossa mortalidade que nos enterra no nascimento.

Bossuet

 

 

Pietà

Nesta sociedade imprevidente, tecnicista, que hospitalizou a morte, para se livrar dos seus transtornos, morrer virou um tabu… Hoje, a iniciativa passou da família, tão alienada quanto o desvivente, ao médico e à equipe hospitalar. São
eles os donos da morte, de seu momento e também de suas circunstâncias (Philippe Ariès). A morte foi transformada num mero fato técnico, deixou de ser um ato, cuja ritualística era presidida pelo desvivente na assembleia de seus parentes e amigos. O desábito cerimonial da morte explica a pasmo que a sua presença causa, mesmo quando se faz anunciar, por indiscretos sinais… Já não se dá conta de que a morte é a meta da vida, que esta se completa quando aquela chega. Não há, aqui, arguir tempo, na dimensão de prolongamento, porque a completude se dá com a morte, inexoravelmente.

A torrente que escorre encosta abaixo, o avião que toma rota errada e cai ou o edifício que o fogo destrói, matando grande número de pessoas, comove, consterna… Se a morte individual, pelo descostume em vivê-la, virou um drama, a coletiva, pelo despreparo emocional, é sempre uma tragédia. Ocasião propicia à eclosão de um espectro sentimental contraditório: da revolta à piedade, tudo… Faz aflorar o contágio por imitação, que induz caráter epidêmico às emoções: quem nada perdeu, por contágio imitativo sente-se perdedor…

Mil pessoas se aglomeram num recinto planejado para seiscentas… Entraram todas pela única porta, que serve, ao mesmo tempo, de entrada e saída. Ali, ao som de acordes dissonantes, bebem e dançam… Não basta! Querem mais, luzes intermitentes, faíscas cintilantes! Tudo isso, enquanto não vira uma tragédia, é normal, coisa da juventude…

Autoridades, empresários, artistas, pais e os próprios jovens, principalmente estes, não veem nada errado nisso… Ah! Os jovens, quem ousa contestá-los! Conselhos? É caduquice de velhotes! A diversão, que seria benéfica à saúde mental, tem, na atualidade, algo de suicida. Mira y López, que os contemporâneos julgam ultrapassado, nesse psicologismo extravagante, foi preciso: Converter a diversão em um frenesi, em uma degradação ou em uma ridícula exibição de insensatez é ainda pior que se entediar. Constato-o, todos os sábados, no meu plantão de emergência!

Uma peça pirotécnica, que lança faíscas à altura do teto, revestido de material combustível, é acesa para incrementar ainda mais a excitação coletiva… As centelhas lançadas, ali presentes as condições da combustão, iniciaram o fogo… Não estavam presentes os meios de combate, todos o sabiam. O fogo gerou o incêndio, que produziu fumo tóxico, em ambiente sem exaustão… A atmosfera venenosamente rarefeita casou a asfixia de muitos, que, por isto, morreram… Outros tantos queimados gravemente… Dão-se, enfim, conta da tragédia! Instala-se o pânico e, no meio deste, sem preparo e equipamentos apropriados, sem nenhuma condição de avaliar risco, improvisam o salvamento de vítimas. Como a imprevidência agrava o risco, morreram tentando salvar…

Mais de duas centenas de mortos são a trágica contabilidade desse episódio, que pode aumentar, à medida que outros, graves, não resistam à injúria respiratória ou às complicações das queimaduras…

Agora, casa caída, a consternação se mistura com a desfaçatez, em busca de explicação para o que já estava explicado desde o início… As tragédias, aqui, se sucedem e nada ensinam, nem às autoridades, nem ao povo, fixado nessa mentalidade de esperar, sempre dependente, pela proteção daquelas…

Agora, ignorado o óbvio, buscam ridículas desculpas para inescusáveis culpas… O Alvará? Vencido! E daí? Agora é tarde… E o extintor de incêndio? Não funcionou! Por que o não verificou antes? Onde as portas de emergência? Não existiam! Que adianta saber disso agora, se todos o sabiam desde sempre? Quantas boates e discotecas há neste país com porta única, para entrar e sair? Quantas!

Agora, chão aberto, prefeito, governador, presidente, ministros se desvelam, como nunca o fazem ordinariamente… Agora, depois da tragédia, falam em estatuto de segurança, em rigor na fiscalização, em código de edificações, em proibição do que nunca devia ser tolerado. Agora… Mont’Alverne diria: É tarde! É muito tarde! Sim, tarde… Como tudo nesta desgraçada nacionalidade, onde nunca se faz coisa senão de má vontade, tarde e mal (Ruy).

Evidente que as circunstâncias desse episódio chocam, revoltam. Evidente que quem perdeu, naquelas condições, o objeto do seu amor, confrontando-se com a realidade dessa dolorosa perda, terá que sofrer o luto, que é somente seu. Espera-se, como é de regra, que esse trabalho lutuoso não venha a comprometer demasiadamente a economia psíquica dos enlutados, levando-os, ao cabo, à reconciliação com seu próprio Eu.

Tenho lido e ouvido avaliações absurdas acerca desse acidente, com os exageros de sempre. A perda familiar, indiscutivelmente, é imensurável, mas essa tragédia é pessoal, dolorosamente individual. Aquela desoladora solidão que Maria, silente, sentiu ao ver o Filho na Cruz pregado… Por ser exorbitante, não é necessária nenhuma hipérbole, para a correta avaliação do sofrimento humano que causou a quem perdeu. Quem ali realmente perdeu certamente não chorou com lágrimas, porque a grande dor enxuga as lágrimas, as congela e as seca. Assim como a luz moderada faz ver e a excessiva faz cegar, a dor, que não é excessiva, rompe em vozes; a excessiva emudece (Vieira).

Analisando os impactos emocionais da tragédia, um psicólogo, pela televisão, afirmou, entre outros juízos, ser antinatural uma mãe ter que sepultar seu filho…  É engano, porque a natureza mesma da morte rejeita a sequencia calendárica!  Exemplo dos exemplos: Maria sepultou Jesus! Aquela espada que Simeão previu transpassando-lhe o peito é a mesma que agora fere o peito das Mães de Santa Maria. Quanta aproximação!… Quem teve a oportunidade de se deter diante do magnífico mármore de Michelangelo, em que Maria toma o filho morto no regaço (Pietà), e observou a serenidade daquele rosto angelical, entenderá o que a psicologia nunca saberá explicar…

O doce Virgílio, disse Unamuno, em página magistral Del sentimiento trágico de la vida,  nos faz ouvir as vozes e os vagidos queixosos das crianças que choram à entrada do inferno (Eneida, Canto VI). Crianças roubadas ao seio materno, para serem mergulhadas na morte cruel… Deixando a essas mães o eternal pranto de sua dor!

Não obstante tudo isso, não é essa tragédia única, nem mais extensa, nem mais dolorosa que outras tantas, que ocorrem na sombra da indiferença, que não viram manchetes, que não despertam o interesse de ninguém… Se os pulmões foram o alvo na tragédia de Santa Maria, eles o são na tragédia diária da tuberculose, que matou, nos últimos 10 anos, cerca de 50.000 brasileiros, numa média de 4.913 mortes por ano. Santa Maria teria que se repetir 20 vezes, para matar o que a tuberculose mata a cada ano, sem despertar nenhuma emoção, sem causar nenhum constrangimento…

Não sou quem busca as aproximações, são elas, caro leitor, que se me apresentam… Assim é inevitável tornar a Unamuno, à conclusão de La agonía del cristianismo: Santa Maria, Mãe de Deus, roga por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Agora, agora, que é a hora de nossa agonia.

 

Fernando Guedes

6/2/2013

 


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