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set 29, 2011 - Fragmentos    10 Comments

Carta à Ministra Eliana Calmon

Salvador, 29 de setembro de 2011

 

Ilustríssima Ministra Eliana Calmon,

 

Teve o “verde ninho onde cantou Castro Alves”, a Bahia, um notável Calmon eletivo: Afrânio Peixoto. Escrevendo sobre essa nobre família ele disse que o terceiro Miguel teve a predestinação de uma dinastia. O I Miguel fora o Marques de Abrantes, estadista, da junta da Independência na Bahia; o II Miguel, sobrinho do I, que o educou para a administração e a magistratura, foi juiz íntegro; o III Miguel, engenheiro e político, foi o grande amigo do maior polígrafo brasileiro. Não a conhecendo, não posso afirmar que seja descendente desse nobre clã; mas, sendo daqui e uma Calmon, a chance de não ser é pequena. Assim, para mim, está explicada a atitude da magistrada!

A toga negra, como a noite escura, lembra-me a capa do estudante de Coimbra: por dentro é da cor do luar… O negrume de fora é a solenidade; a alvura de dentro é a pureza. Solenidade e pureza são os atributos do magistrado imparcial. V. Exa. referiu-se às togas negras por fora e por dentro, que não simbolizam esses atributos indispensáveis à magistratura imparcial. A Bahia a compreendeu, eu a compreendi e isto me basta.

A reação desproporcional dos seus pares no CNJ e de ministros do STF, em face de sua declaração, que é preciso combater a impunidade dos bandidos que se escondem atrás da toga, é simbólica da irresponsabilidade absoluta, que os maus magistrados sempre defenderam nesta desgraçada nacionalidade. Retratar-se? De quê? Afinal não é a verdade inconsútil, como a túnica de Cristo? Não há remendar o que V. Exa., cingindo toga alva por dentro, como as areias de Abaeté, em noite de lua cheia, disse com propriedade e conhecimento de causa.

Li, nO Globo, que um ministro do STF teria dito: “A nossa corregedora  cometeu um pecadilho, mas também não merece a excomunhão maior”. Não conheço a intimidade da inquisição da magistratura, portanto tomo isto como um deboche, cuja intenção me pareceu a de menosprezar a gravidade de sua declaração.

A sociedade baiana, conhecendo-a, sabe que a Senhora não generalizou, que sua declaração foi dirigida à fração marginal da magistratura, que não pode continuar impune, sob pena de nodoar todo o seu conjunto. Irritados, não se sabe a razão, talvez pelo entorpecido da “fumaça do mau direito”, quiseram obter uma liminar com a sua retratação. Como V. Exa. mostra-se juíza que vai logo ao mérito da causa, a não deferiu. Não confessando a heresia, que não cometera, o auto-de-fé se resumiu numa patética nota, lida pelo ministro presidente em reunião do CNJ.

Não se desanime; vá em frente; não permita o esvaziamento das funções do CNJ, que é a única instância com a qual a sociedade pode contar, para conter os abusas do judiciário. Para terminar, confio-lhe um recado de Rui, dirigido a certos magistrados (que querem lhe patrulhar a consciência de juíza), para que V. Exa., com essa coragem destemida, lhes transmita: ”Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde.”

Atenciosamente.

Fernando Guedes

 

dez 9, 2010 - Fragmentos    4 Comments

“O que querem as mulheres?”

Em 2000, pelo dia da Mulher, pediram-me, na Petrobrás, para escrever uma mensagem, tomando como tema a pergunta: “O que querem as mulheres?”, que Freud teria feito deixando-a sem resposta. Como vejo na mulher, ao contrário do senso comum, um ser previsível, escrevi o meu parecer…

Como, agora, a TV Globo, está anunciando uma série com esse título, achei que devia publicar o que escrevi em 8/3/2000:

Dizem que Freud fez essa pergunta a si mesmo, e nunca a respondeu. Ignoro o contexto dessa pergunta e as razões que o levaram a deixá-la sem resposta…

Certamente não foi por lhe faltar imaginação, mas acredito que não o faria sem penetrar no seu estranho mundo dos complexos.

De mim, acho que não é difícil acudir a esta indagação, se entender a mulher como uma criatura comum, que pensa como pensam os homens. Não será, portanto, necessário recorrer ao nebuloso mundo da psicanálise, para lhe destrinçar os complexos; nem à fisiologia, para lhe apontar diferenças orgânicas. A mulher pensa, e é o bastante para se saber o que ela quer.

De um modo geral, acho que a mulher busca, consciente ou não, a afirmação de sua individualidade, isto é: ser tratada e entendida como indivíduo, porque o resto são acessórios culturais, que, no fluir das civilizações, se ajuntam ao processo da existência. Aí varia, de lugar para lugar, de época para época, das circunstâncias, do momento histórico, porque essas condicionantes suscitam, nos indivíduos, desejos vários.

Que queria Maria ao assistir a seu filho marchar sob o peso do próprio cadafalso? Apenas poder para diminuir-lhe o sofrimento. Bem diferente de Cleópatra, tomada pelo desejo de conquistas mil, inclusive amorosas.  Que queria Agar, para dar a Ismael? Apenas o leite do pranto, para matar-lhe a fome. Que quer Xuxa, para dar a Sasha? O ouro do mundo, quem sabe… Que queria Salomé, na sua louca luxúria? Na bandeja, a cabeça do Batista. Que queria Florence Nightingale, sendo rica, ao ir servir espontaneamente na Criméia? Com a lâmpada da sua extrema bondade, salvar vidas. Que queria Pompéia Paulina diante da sentença de morte de Sêneca? Apenas não lhe negar, na hora extrema, a sua companhia, e morrer com ele, como prova de um extremo amor. E Imelda Marcos, que queria? Milhares de pares de sapatos, para calçarem os pés de sua extrema vaidade. E a pobre Angolana, que deseja? Apenas liberdade, para poder pisar, descalça, o seu amado solo, sem que minas lhe ceifem a vida. Como vêem, os desejos são diversos, porque as mulheres são indivíduos, e o que elas querem é apenas QUERER.

Fernando Guedes

Homenagem à Mulher, no seu dia.

8/3/2000

dez 1, 2010 - Fragmentos    15 Comments

Mensagem de Natal

Registra a tradição que três magos, do Oriente, seguiram uma estrela, até Belém, na Judéia, para a adoração do Messias… A lenda, que é a história imaginária, os tornou “reis magos”. Eram apenas astrólogos. Depois, quiseram fossem eles representantes das raças: Melchior descendente de Cham, africano, negro. Baltazar de Sem, asiático, amarelo, e Gaspar descendente Jafet, europeu, branco. E a América? Porque desconhecida dos homens de então, não adorou o menino-Deus… É assim, são os homens que fazem a história, ou criam as lendas…

Para a reverência, cada um levou o seu presente: Gaspar, o branco, deu-lhe incenso, reconhecimento à sua divindade. Baltazar, o amarelo, ofertou-lhe ouro, a realeza, a soberania, o interesse do mundo, Melchior, o preto, trouxe-lhe mirra, o atributo humano, que embalsama, na morte…

Depois, já temendo represália de Herodes, partiram… A humanidade seguiria o seu itinerário, rejeitando a simbologia daquele acontecimento, para encontrar-se com a cruz… Com as suas cruzes… O incenso e a mirra não suplantariam o ouro, pelo o qual o homem se perdeu…

Neste Natal, espero que comemoremos – posto que comemorar é trazer novamente à memória – o verdadeiro espírito daquele nascimento e as circunstâncias que o envolveram. Que nas nossas “adorações” tenhamos a exata dimensão dos atributos, para que o ouro não continue suplantando o incenso e a mirra, porque só assim a humanidade conseguirá aliviar o peso das cruzes, que tanto a oprimem.

Feliz Natal!

Dezembro, 2010

Fernando Guedes

fev 8, 2010 - Fragmentos    1 Comment

Dra. Zilda Arns

Zilda ArnsNão a conheci pessoalmente, senão pela mídia, quando testemunhava sua obra… Sei-a médica, dedicada à Pediatria e à Saúde Pública, às quais emprestou a eficácia da simplicidade: visita domiciliar às famílias; dia do peso, também chamado de dia da celebração da vida e reunião mensal para avaliação e reflexão, praticados por um exércitos de voluntárias, treinadas e educadas para servir… Eis a verdadeira Pediatria: Doutrina e Ação, como ensinou o eminente Professor Pedro Alcântara.

Consultório luxuoso, remédio caro, potinho e leite industrializados? Nada disto! Sua clientela, de outra classe, reclamava a simplicidade do cuidado e da prevenção; a colaboração barata da educação e do amor ao próximo… Enfim, da milagrosa multimistura, para enriquecer a dieta e salvar da fome oculta, de que tanto falou Josué de Castro, milhares de crianças por este Brasil em fora…

Sua morte, sob os escombros do Haiti, é um símbolo, que ao símbolo de sua vida profissional se junta para uma lição final: a da solidariedade!

Possivelmente quererão lhe render, na morte, fúteis homenagens; possivelmente darão a logradouro público o seu nome; provavelmente lhe erguerão uma estátua, em algum lugar. Já prevejo a enfadonha sessão do Senado, com verborragia de Mão Santa e Simon…  Mas, Dra. Zilda não precisará de nada disto, para se eternizar na memória popular, porque ela pertence a essa rara espécie de gente  que se estatua a si mesma em vida.

Viva, ela era sua própria estatua. Morta, é viva estatua esculpida no imaculado mármore humano: o artista: ela mesma. O cinzel, a profícua obra; o maço, o amor ao próximo.  Não morrerá nunca, porque nunca será esquecida.

Fernando Guedes

15/1/2010


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