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maio 4, 2009 - Poligrafia    No Comments

Dr. Osvaldo, que conheço bem…

No nosso último encontro, há uma semana, na casa de Magnavita, Paulo nos falou da comemoração do centenário de Dr. Osvaldo Devay, que a família está preparando. Para mim, perguntou-me: – Você, que é um admirador de Dr. Devay, por que não escreve alguma coisa sobre ele?

Seja, nesta sintética escritura, ele louvado! Conheci-o já tarde, e tive somente o privilégio de poucos encontros pessoais com ele. Ficou-me, dessa fugaz relação, uma imagem admirável, que o seu sorriso discreto, como são os sorrisos francos, gravou na memória da minha lembrança, na consciência do meu afeto. Continuo, contudo, a encontrá-lo, constantemente, nas páginas de sua obra literária, que leio constantemente, alumiada pela claridade do rastro de luz que nos deixou… Este, o polígrafo, é o que conheço bem…

A minha admiração não decorre da intimidade do conhecimento, porque, como já disse, o conheci tarde e tivemos raros encontros pessoais. Decorre da coincidência de amores comuns: Castro Alves, o maior de todos, Camões, e o que nos une aos outros: Afrânio Peixoto. O estilo literário de Dr. Devay, pela elegância do vocabulário, pela nobreza das frases, pela síntese, pelo gênero da poligrafia, é o de Afrânio, que eu tanto admiro e sigo. Se este disse, no Breviário da Bahia, que Rui, na oratória, seguiu Vieira, que seguiu Cícero, ouso dizer, para engrandecê-lo, ainda mais, que Dr. Devay, na poligrafia, seguiu Afrânio. É escola!

O pequenino prefácio do seu Camões lembra, com clareza, o dos Ensaios Camonianos, de Afrânio. No seu Noturno, que acho que fora intencionalmente escrito, para ser lido com Chopin em fundo musical, encontro, no capítulo exta-índice, Iayá, o seu auto-retrato, uma oração escrita com pena transcendente… “Sinto, e me pesa, que ela começa a desviver”… O emprego deste verbo, com tamanha elegância de estilo, é raro na literatura brasileira, apenas nestes dois lugares o encontro igual: “Organização desfibrada de adversários que desviviam há três meses” (EUCLIDES DA CUNHA) e “A hera dos castos afetos desvive, murcha e esfolha-se” (RUI). Só ao amoroso é concedido desprendimento desta grandeza, que é um voto: “Não me arrebate mais nunca outra alma da minha alma. Antes disso, me extinga a mim a vida”. Deus, ao que sei, não ignora voto de alma fiel, o acatou, colocando, no seu caminho, como diria Fagundes Varela, a soberana dos sinistros impérios de além-mundo…

Encontro, ainda no Noturno, outro capítulo que a mim me fala de perto: Viagens na Minha Terra. Declaração de amor a Portugal de Afrânio Peixoto, que o homenageado tanto admirava, a ele, Afrânio, e ao livro monumental, que são visões fugidias do espaço e do tempo. Ele o declara:

Ao autor devoto, desde jovem, comovida e afetiva admiração; quanto a Portugal, sinto que faz vivas em mim, entranhadas, remotas e atávicas saudades”.

Declara mais, que pretendia conhecer Portugal, incitado por essas saudades atávicas e pela leitura reiterada de Viagens na Minha Terra, a este, de Afrânio, quanto o de mesmo título, de Almeida Garret, assim:

Os dois livros me valeram balsâmico toque em ferida aberta, pois mantenho, velhos e intensos, dois propósitos de realização ainda protraída, que, oxalá não evanesçam como sonhos vernais que hibernam…”

Dr. Devay, contudo, não teve a oportunidade de matar as suas saudades… Este sentimento, que o homenageado experimentava, experimentei-o também, mas tive a ventura de conhecer Portugal, depois de ter lido e relido Viagens na Minha Terra… Como é bonito Portugal, depois dessa leitura!

O Capítulo seguinte, Parábolas, também livro de Afrânio Peixoto, pequenos trechos de filosofia e reflexão; de conceitos morais e humor, são, em Dr. Devay, os Pedaços, que, se fossem todos conservados e editados, dariam, penso, dois volumes, cujos correspondentes, na obra de Afrânio, são: o já citado e É.

Há tanto Afrânio em sua obra… Seu Camões diz que os Ensaios Camonianos, do outro, trazem inesgotável filão de ouro… Seu Castro Alves fala da Vida Efêmera e Ardente de Castro Alves, do outro, e no Ofertório, do seu, lê-se este primor de oferenda:

E também assentem à mesa das oblatas do

Pobre, os nomes baianos, aureolados, de Pedro

Calmon e Afrânio Peixoto, com, ainda,

destaque especial de dois monumentos da

Bahia: O Livro das Horas, e Breviário da Bahia.

A beleza está precisamente em considerar monumentos da Bahia o Breviário da Bahia e O Livro de Horas, os dois últimos filhos de Afrânio, dedicados à Bahia, para serem, como disse o homenageado, livros de cabeceira dos brasileiros, notadamente dos baianos.

Para ser fiel ao estilo, convém que eu procure encerrar esta homenagem, com faria Afrânio Peixoto. No Livro de Horas, disse ele, sobre Manoel Vitorio: Deixou um traço de luz, que perdura, como o dos meteoros, que deslumbram ainda depois da passagem. Esta é a imagem que me ficou de Dr. Devay, só que a passagem, para proveito da Bahia, dos colegas, dos amigos, dos familiares, foi mais lenta, como a dos cometas, deixando-nos deslumbrante rastro luminoso, que perdurará, sempre!

Fernando Guedes

4/5/2009


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