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jul 1, 1997 - Poligrafia    No Comments

Atirar em passarinho e acertar elefante: coisa da artilharia governamental

“Ás vezes, a gente quer dar um tiro para matar um passarinho e acerta um elefante”. Foi assim que o Exmo Presidente da República explicou a Nação o efeito colateral que a Medida Provisória 1.523, proibindo a acumulação de pensões e  aposentadorias, produziu; deixando inconformados os beneficiários desse direito. E prometeu revogá-la, nesse particular.

Com efeito, ao retornar da viagem que fizera ao interior da Bahia, ainda na base aérea de Brasília, tratou S. Exa. de assinar a prometida revogação, numa rapidez jamais vista na história da burocracia governamental. No dia seguinte, para o alívio de pássaros e elefantes, o ato já estava publicado no Diário Oficial! Assim, sob o vaivém de pressões corporativas, tem sido engendrada a história da nossa República, que há muito não possui quem tenha coragem e consciência para advertir: “E o Brasil”, como fica?

Resolvido o problema jurídico-administrativo do acúmulo de aposentadorias e pensões, de forma tão rápida e eficaz, como bem gostaríamos que outros (fome, ineducação, violência, miséria, doença etc.) de tal forma fossem resolvidos, restou uma dúvida: errou S. Exa. na pontaria, ou equivocou-se na metáfora, já que o princípio da medida era, segundo ele próprio o revelou, “proibir os que ganham muito de ganhar mais ainda”?

Vejamos. Passarinho, animal pequeno, frágil, dócil, não é símbolo apropriado aos “Zaratrustras” que acumulam milionárias aposentadorias. Tampouco, é o elefante, animal exagerado, possante, poderoso, metáfora apropriada aos “Nibelungos” que mal conseguem sobreviver com a parca quantia de 2 salários mínimos, quando, por fatalidade, acumulam uma aposentadoria ridícula e uma pensão miserável.

Evidente que a figura de linguagem não foi adequada. A medida, penso, visava a reduzir o ganho dos que ganham de mais; pretendia penalizar os grandes; portanto, o tiro tinha a intenção de abater os elefantes do caótico sistema previdenciário. Não visava, acredito, a piorar a miséria dos que ganham menos do que nada; não pretendia aniquilar os pequenos; portanto, o tiro não pretendia exterminar os passarinhos desse mesmo sistema. Metaforicamente, o Presidente pretendeu matar os paquidermes que devoram os recursos da Previdência, mas, por erro de pontaria, alvejou os passarinhos que se nutrem com as suas migalhas.

Em pleno Sertão, diante da miséria, e vendo de perto o desamparo de sua gente, o Presidente se tocou, e o gorjeio melancólico daqueles passarinhos que sacrificam, por necessidade de sobrevivência, seus filhotes no duro trabalho do corte e transporte do sisal, despertou o sociólogo que adormecera no político, e ele agiu prontamente, como normalmente não age o mandatário. Sua ação, com ecológica sutileza, beneficiou a ambos, elefantes e passarinhos; não importa.

Impossível de correção é a pontaria, quando o tiro desfechado é mortal. É assim com os tiros das armas de fogo; não é diferente com a pena em mão de mau governante, quando desfecha traiçoeiros tiros contra o povo. Aliás, a história dos tiros mal sucedidos, desfechados por governantes, no Brasil, ainda não foi, de todo, contada. Lembremos, para nos prevenir contra balas perdidas, alguns episódios balísticos da desastrada artilharia governamental: a bala que acertou o pé do Sr. Carlos Lacerda, foi o tiro de revés que alvejou o prestígio do Presidente de então, como ele próprio o declarou. Mortalmente ferido no prestígio, agonizou, sem remédio, por algum tempo, até que resolveu dar cabo à própria vida, com pontaria certeira. Naquele fatídico dia, a Nação foi dormir com um Presidente acossado, e acordou traumatizada, com um ídolo morto. É o Brasil…

Mais recentemente, houve aquele que empunhou um potente rifle para abater um tigre feroz. Tinha apenas uma bala, o que reclamava precisão na pontaria. E atirou… O estampido foi tão grande que rompeu a culatra do rifle, projetando o estilhaço que feriu a Nação. Coube ao vice aplicar as bandagens paliativas, e malgrado delas a ferida ainda não cicatrizou totalmente.

Agora, o atual, com pontaria descuidada, atira em passarinho e acerta elefante (ou vice-versa)…

Feridos, sofridos, como podemos confiar nos atiradores que nos governam?! Livrai-nos, Senhor do Bonfim, da pontaria deles…

Fernando Guedes

Julho de 1997


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