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fev 2, 2012 - Riacho de Santana    1 Comment

Brás

 

Há, em todas as comunidades, um tipo humano que se caracteriza pelo desprendimento e se conforma, espontaneamente, com sua condição, seja ela qual for… Espirituoso, convive bem, tendo o humor como um traço marcante de personalidade. São emblemáticos dessa categoria vários riachenses: Pedro “Joli”, tio de meu pai, que tinha das suas; Júlio “Frito”, cuja história de namoro com certa moça da Rua Grande, por ele contada, levava-nos às gargalhadas; Deraldo Coutinho, que muito aprontou… Passando, certa feita, por uma lavoura de arroz já cacheando, na Canabrava, viu a sua saída para a falta de dinheiro… Colheu alguns cachos e se dirigiu para a cidade. Foi ao escritório de Augusto Carvalho e o convenceu comprar, à vista, algumas arrobas do produto, que lhe não pertencia… Como tudo neste mundo tem troco, traiu-o o próprio papagaio, que não aprendera mentir: denunciou, a um freguês incauto, que o toucinho que seu dono vendia estava ardido. São muitos… Muitas!

No dia 3 de fevereiro de 1932 nasceu, em Riacho de Santana, no sítio Nazaré, o segundo filho de Deocleciano e Matilde Castro… O menino teria a predestinação de vários nomes: Batizado José, registrado Alírio de Assis, apelidado Brás. Como o apelido, como sempre, é o comandante da identidade, Brás é seu nome. Foi Joaninha, de Júlio, quem o deu.

Aos nove meses foi entregue, por sugestão do Coronel Chiquinho, que ninguém ousava contrariar, ao casal João Castro (irmão de Deocleciano) e Glória (irmã de Matilde), para ser cuidado até um ano de idade. Acontece que o casal se apegou ao menino e não o devolveu mais… Foi mandado a Caetité para estudos, mas não prosseguiu neles, concluindo apenas o primário. Com João e Glória viveu toda uma vida, só deixando a Rocinha com a morte dos seus senhores.

Em 1955, depois da procissão de 15 de agosto, trajando terno branco foi esperar a noiva à porta da Igreja… Quando ela saiu, Celeste que a acompanhava, vendo-os de brando, desafiou: Por que não se casam agora? Casaram-se! Casou-se com Mariá Castro, professora ativa, que se dedica à culinária de bons doces, com quem teve quatro filhos, todos nascidos e criados na Rocinha… Ah! O primeiro filho só apareceu um ano depois, dissipando aqueles maledicentes comentários, que a pressa do casamento fomentara…

Com o Brás armênio, médico, santo auxiliador e protetor da garganta, que lhe emprestou o apelido, só encontrei a aproximação do 3 de fevereiro. Com o Brás francês (Blaise Pascal), filósofo moralista, tampouco… Encontrei semelhança com a personagem picaresca de Alain-René Lesage, Gil Blas de Santillana, que também foi criado e educado por um tio, em Oviedo…  Blas (que é Brás em espanhol) foi mandado a Salamanca para estudar, mas não estuda, iniciando suas peripécias humorísticas aos dezessete anos… Para fechar a aproximação que se me apresentou, comparei Oviedo com a Rocinha, Salamanca com Caetité, Blas com Brás, e conclui que o caráter do nosso, sem dúvida, é melhor que o do espanhol…

Estava com dezesseis anos quando começou acompanhar Álvaro Castro, seu primo, “professor” graduado em brincadeiras de bom e mau gosto, nas farras e festas. Alvinho, que morreu cedo, de uma provável insuficiência cardíaca, o chamava  “meu Brás”.

Foi a dupla a uma festa, em Santa Rita… Chegando à fazenda, no local onde deviam deixar os cavalos arreados, Alvinho, cujo senso de pilhéria perecia estar sempre a postos, lhe disse:

– Vamos aprontar uma, meu Brás!

Voltaram um pouco distante da casa e desarrearam seus cavalos, escondendo ali as selas. Sem serem percebidos, trouxeram os cavalos desarreados, deixando-os juntos aos demais, que foram também desarreados e as selas jogadas numa cisterna próxima. Entraram, para se reunir com os outros convivas; dançaram, beberam rabo-de-galo… Alvinho fumou charutos… Quando a festa terminou, próximo ao raiar do dia, os cavaleiros foram apanhar seus animais para empreenderem a torna-viagem, mas se surpreenderam com os cavalos desarreados. Foi uma celeuma! Quem fez isto? Perguntam-se em uníssono!

– Isto só pode ser coisa de Alvinho e Brás, disse um muito irritado.

– Não, não é… Os cavalos deles também estão sem as selas, interveio outro, em tom de conciliação.

Chegaram Brás e Alvinho e, de manha, para despistar a turma, este foi logo perguntando:

– Alguém viu quem fez essa desgraça?

Procuraram em torno, de mentira, para desfazer o resto de desconfiança, e saíram puxando os cavalos, deixando o grupo metido na confusão. Lá adiante, fora do alcance dos outros, arrearam os animais e foram-se embora.

O tumulto perdurou por mais algum tempo, mas logo se convenceram que não tinham o que fazer. Puxaram seus cavalos e também se foram…

Quando o dia clareou, o anfitrião foi à cisterna apanhar água… Destravou o sarilho, mas a lata não desceu. Removeu a tampa e se deparou com as selas… Não teve mais dúvida: aquilo só podia ser obra de Alvinho e Bás!

Recém-casado, aprontou com Mariá, sua esposa. Fingiu loucura… De revolver na mão, olhava-a estranhamente e repetia, com insistência, a frase ameaçadora:

– A gente mata que ama!

Certo dia, a jovem esposa, acreditando que ele enlouquecera e que podia consumar a ameaça, logo que o viu de revólver na mão, começou a chamar tia Glória, sussurrando, para não irritá-lo:

– Tia… Tia… Tia…

Num almoço, naquela grande mesa do varandado da Rocinha, em torno da qual estavam reunidos muitos convivas, inclusive visitantes ilustres da família e amigos (Érico, Sr. Fábio, Clemente, Bilé, Rosana etc.) aprontou com Virinha. Olhava-a ameacadoramente segurando grande faca, que estava à mesa para cortar a carne… Levantou-se abruptamente em sua direção e ela se pôs a correr, pelo carreiro que levava aos passadiços próximos ao São Félix. Saltou o primeiro, e ele atrás; correu ainda mais, mas não conseguiu saltar o outro, onde se entregou ao relaxamento dos esfíncteres…

São tantas as histórias de Brás, que dariam um livro!

Caminhando pela Rua de Trás, parou para cumprimentar Generaldo, que estava à janela, debruçado…

– Bom dia Generaldo, como vai!

Queixoso, como sempre, com aquela voz mansa e cantada, respondeu Generaldo:

– Não tou bom não Braizin

– Tá doente? Perguntou-lhe Brás.

– São as vistas, disse Generaldo, que não me deixam ver mais nada. Mal divulgo as coisas… Só o conheci pela voz.

Nesse momento passava pela calçada uma balzaquiana trajando um vestido fino, que deixava à mostra certas proeminências daquele corpo em desalinho. Cumprimentou-os e seguiu. Quando ela estava distante, Generaldo, quem mal enxergava Brás, perguntou:

– Você viu Braizin?

– O quê, Generaldo?

– Como ela está singela…

Brás logo percebeu que não era mais de oculista que Generaldo necessitava…

De outra feita, a vítima foi Mário de Zeca Rocha… Foram ao Benedito Cigano, onde Brás devia tirar o leite e trazê-lo para a Rocinha. Sabendo que Mário andava com dificuldade para alimentar uma junta de garrotes, Brás lhe propôs uma troca: Ajuda-me tirar o leite e carregar a lata, que lhe permito deixar os garrotes no pasto. Mário tirou o leite e carregou a lata… No meio do caminho, Brás, fingindo loucura, tirou a roupa, arregalou os olhos, assanhou os cabelos e, com porrete na mão, partiu na direção de Mário, que desatou a correr. Chegou à Rocinha em frangalhos, arfante, sem conseguir articular uma só palavra… Vendo-o naquele estado de choque, tia Glória, com aquela paciência de Jó, preparou o calmante clássico do sertão (água com açúcar) e lhe deu para beber… Alguns minutos depois perguntou:

– E Brás, meu filho, onde está?

Mário, respirando fundo, buscando se acalmar, respondeu:

– Enlouqueceu Dona Glória… Vem aí nu, com um porrete na mão!

Logo depois chegou Brás, calmo, vestido, penteado, preocupado com Mário, que desatou a correr, sem motivo, como que estivesse fugindo de uma assombração…

“O riso é um desabafo, uma revolta, uma vingança de nossa personalidade, constrangida à atenção, à coerência, ao respeito, ao medo, que nos são impostos, por nós mesmos, ou por outrem. Por isso tal libertação é alegre e, às vezes, gloriosa”. Creio que Brás, na simplicidade de sua vida, soube compreender bem essa profunda lição filosófica.

Por em realce esse traço marcante de sua personalidade, que admiro, é a minha homenagem nos seus 80 anos.

 

Fernando Guedes

3/2/2012

 

ago 29, 2011 - Riacho de Santana    4 Comments

Elogio da Sericaia

Crentes, comei as coisas boas, que eu vos destinei, e agradecei ao vosso Deus, em vossas preces.

Alcorão

 

Foi nos conventos femininos que a elaboração doceira atingiu notoriedade, destinada a uma elite consumidora, habituada aos melhores paladares.

Alfredo Saramago, in Doçaria Conventual do Alentejo

 

 

Não pense besteira, porque é doce fino, merecedor de uma página literária… Como a não encontrei entre as dos nossos clássicos, tentarei preencher a lacuna com a precariedade da minha pena.

Família do Cel. Eujácio Castro

É nome feminino, sobre cuja etimologia os dicionaristas divergem. A fonte mais antiga que consultei, Diccionario Critico e Etymologico da Língua Portugueza, de Francisco Solano Constâncio, edição de 1858, diz que talvez venha do grego siraion, que significa vinho fervido com especiarias. O Caldas Aulete, edição de 1980, não opina sobre a origem da palavra, mas a edição eletrônica atual afirma ser proveniente do malaio serikaya, o que está em acordo com o Houaiss: do malaio srikáya, manjar composto de leite, ovos e açúcar, com datação de 1609. Admitamos, pela lógica, que esta seja correta, para resolver o problema da etimologia. Cuidemos agora da origem da receita…

É outro ponto controverso para os gastrônomos portugueses, porque uns afirmam ser indiana, ao passo que outros a reputam brasileira. Na Gastronomia e Vinhos do Alentejo, magistral obra coordenada pelo antropólogo eborense Alfredo Saramago, à página 242, lê-se esta afirmação: “A dúvida nunca mais se resolve. Uns dizem que a receita veio da Índia, outros que ela veio do Brasil. O que é certo é que desde os tempos da nossa Expansão que a sericaia ou sericá era executada, com todo o esmero, por dois conventos alentejanos que se arrogavam de direitos de importação da receita.” Os dois conventos são o das Chagas de Cristo, de Vila Viçosa e o de Santa Clara, de Elvas. Este o chamou, ao doce, Sericaia; aquele o batizou de Sericá. Sou mais pela origem brasileira, porque tenho, para isto, irretorquível razão, que adiante revelarei…

À Rua Portas de Santo Antão, 58, em Lisboa, está a Casa do Alentejo, nesta um bom restaurante oferece, entre as sobremesas regionais, Cericá com Ameixa de Elvas. Em Elvas serve-se a sericaia com suas famosas ameixas, as melhores de Portugal, que provem de ameixeiras “Rainha Cláudia”. Então há: Sericaia, Sericá e Cericá, em Portugal. No Brasil apenas Sericaia.

Compulsei Doçaria Conventual do Alentejo, outra obra maravilhosa de Alfredo Saramago, em busca das receitas alentejanas…

Num litro de leite, desfaça 250 gr. de farinha de trigo, uma pitada de sal e 12 gemas de ovos bem batidas. Ponha 500 gr. de açúcar em ponto de pasta e deite a mistura. Retire do lume, ponha num prato de estanho, golpeie levemente com uma faca, do centro para fora, e ponha no forno a tostar.” (Do livro de receitas do Convento das Chagas de Cristo)

“Bata 12 gemas com 500 gr. De açúcar e misture muito bem 200 gr. De farinha com um litro de leite. Misture tudo e ponha no lume. Assim que começar a tomar a consistência de um creme, retire do lume e deixe arrefecer. Bata as claras em castelo e misture com o creme. Ponha uma pitada de canela e o sumo de um limão.

Deite tudo num prato de estanho, às colheradas grandes, de uma forma desencontrada. Uma é posta no sentido do centro para as bordas e a outra é atravessada. Polvilha-se com canela em pó por cima e vai ao forno.” (Do livro de receitas do Convento de Santa Clara)

Como se pode deduzir, a farinha, em ambas as receitas, implicará uma consistência mais ou menos firme, permitido que o doce seja cortado em fatias, para ser servido à moda de Elvas, com ameixas em calda ou simplesmente só. Assim, sem ameixas, é como costumo comer a sericaia quando freqüento o Da Silva, no Rio de Janeiro. Estranha-me a ausência da canela na receita do Convento das Chagas de Cristo. Por quê? Não o sei! Talvez porque a canela evoca a mulher…

D. Mariquinha

Mas, há outra receita que considero a melhor de todas: A do caderno de Maria Magalhães Castro, Dona Mariquinha, esposa do Coronel Eujácio de Souza Castro. Esta receita foi passada para sua filha Matilde Magalhães Castro (Tia Tide), que a confiou à sua, Nilza Castro, portanto uma tradição familiar. Ei-la:

Ponha dois litros de leite para ferver com a canela em pau, até reduzir o volume a um litro e deixe esfriar. Acrescente-lhe dez gemas de ovos peneiradas, uma xícara de açúcar, uma colher das de café de sal e misture. Peneire a mistura numa panela de alumínio ou esmaltada, para torná-la mais fina e homogênea. Acrescente-lhe duas colheres das de sopa de manteiga e polvilhe com canela toda a superfície. Leve ao banho-maria por uma hora e meia, com um braseiro sobre a panela.

O resultado, acreditem, é o mais fino e saboroso creme que o gosto pode experimentar. Saboreado, com um cálice de Vinho do Porto, ultrapassa o limite do profano, para ser o “manjar dos Deuses”. Com esse manjar esses Castros, em Riacho de Santana, excederam-se na fidalguia de bem receber e agradar… Eu sempre fui distinguido com tal fidalguia e, para continuar a tradição, incentivei Hilca a aprender, com Nilza, o preparo da sericaia.

A razão da minha convicção sobre a nacionalidade da receita está em Bugrinha, romance regional, de Lençóis, o coração diamantino da Bahia, quando o autor a menciona em interessante passo. Dona Ermelinda, mãe de várias moças, dialogando com o senhor Matos Contreiras, que lhe oferecera um livro de receitas de doces, diz:

Olhe, precisa ir lá em casa provar uma especialidade minha… um doce da terra… uma “sericaia”…

D. Ermelinda, diziam, prendia os futuros genros com a sericaia… Provou, casou. Se não quer, não coma da sericaia de D. Ermelinda.

Outra personagem, Pereira Miranda, que conhecia a astúcia de D. Ermelinda e a fama casamenteira de sua iguaria, advertiu Matos Contreiras:

– Se comer da “sericaia”, é tiro e queda…

Isto é, casamento certo!

Que quis dizer o mestre da poligrafia brasileira, conhecedor profundo da cultura portuguesa, pela voz de sua personagem, com as expressões: especialidade minha e um doce da terra? D. Ermelinda, baiana, de Lençóis, estaria corroborando a origem brasileira da receita? Estou convencido disto, e de mais: receita baiana! Como a de D. Mariquinha, em que a farinha não entra, para não corromper a delicadeza do creme, creme capaz de arranjar até casamento…

Matilde Castro

Os “doces” baianos descendem dos portugueses, porque é honra a boa tradição, havendo o elemento autóctone, que, graças a Deus, não é somenos (Afrânio Peixoto). Não sei se convencerei os gastrônomos portugueses de que a dúvida está resolvida: É brasileira, da Bahia, a sericaia, um desses elementos autóctones da nossa doçaria conventual ou patriarcal, que, entretanto, não diminui a Elvas e Vila Viçosa o mérito da propagação da iguaria.

 

Fernando Guedes

29/8/2011

 

ago 10, 2011 - Riacho de Santana    1 Comment

Nada mudou…

A queimada! A queimada é uma fornalha!

A irara – pula; o cascavel – chocalha…

Raiva, espuma o tapir!

… E às vezes sobre o cume de um rochedo

A corça e o tigre – náufragos do medo –

Vão trêmulos se unir!

 

Castro Alves, in A Queimada

 

Tenho dois livros de cabeceira: Breviário da Bahia (1945) e Livro de Horas (1947). Abri este, ao acaso, na página 276, e comecei ler Pragas Nacionais

“Quem considera a civilização, no Brasil, tem um aperto de coração. É tudo tão rápido, tão instável, tão efêmero! Mal começa o presente, é já passado. Acabou-se. Monteiro Lobato escreveu um livro com o título fatídico: Cidades Mortas. Todas jovens, porém, mais 50 anos, taperas, a vida de uma geração.”

Lembrei-me, então, de um comentário que recebi acerca do meu artigo Carvão, publicado neste espaço… O leitor escreveu que concordava com a tese, mas esperava que os órgãos competentes apoiassem os produtores de carvão vegetal, para não acontecer com eles o que aconteceu com os produtores de algodão que, sem apoio oficial, quebram-se todos… Tono a me concentrar na leitura:

Derruba-se a mata; seca, é queimada; coivara, aceiro, plantio, boas colheitas. Depois, ao sol, sem irrigação, sem adubo, desmedra, deixa de dar. Para a frente, fazedores de desertos! E vai-se acabando o Brasil. Assim, o vale do Paraíba, cuja prosperidade fez o reinado de Pedro II, 50 anos, que acabaram na penúria, cujos remédios, Abolição e República, foram mortais. Ao noroeste de São Paulo e ao sul de Minas, que ocorreram, está acontecendo o mesmo, com o auxílio da broca, do Instituto do café, da “política”…”

Pois é: já vimos esse filme outras vezes… Agora, aí em Riacho de Santana, é a produção ilegal de carvão vegetal a tábua de salvação de aproveitadores. Desses que simulam possuir créditos legais de carbono e mandam queimar o que resta da caatinga e do cerrado. Penso nessas siderúrgicas irresponsáveis que compram essa produção ilegal; vejo aqueles caminhões carregados de carvão ilegal estacionados no Posto Bom Jardim, esperando o comando do espia para prosseguir no tráfico…  Essa gente está preocupada com a quebradeira! Mas, a lição continua:

Temos tido lavoura e indústrias que chegara, prosperaram, acabaram. O pau-brasil durou até o começo do século XIX, mas limpou o nordeste de suas matas e, não reflorestado, deu no cataclisma das secas. Tivemos as madeiras duras, de lei, que acabaram pela derrubada, fogo e não replantio. Não é que no século XVIII produzíamos o anil, indústria próspera, que chegou, em 1776, à exportação de 5.000 arrobas? Onde está ela? Depereceu e acabou-se, com concorrência das colônias inglesas. Com Dom João VI veio a sugestão do chá, que foi aqui anterior ao café, e, entretanto, onde está ela, esta lavoura? Não ficaram nem traços.

A minha geração, anos 50 do século XX, ainda alcançou mata ali atrás e aos lados do Xavier Marques! No recreio da escola, saímos ao redor para apanhar bananinhas… Atravessada a ponte do São Félix, mata… Fartura de frutas silvestres: umbu, alcaçuz, maracujá etc., cujo trabalho era apenas o de colhê-las, porque a natureza se incumbia da produção. O rio corria o ano inteiro; a cachoeira era o banheiro da cidade; o “peralzinho” foi palco de muitos piqueniques; os engenhos Recreio, Invernada, Rocinha, Limoeiro, Nazaré, na moagem, eram uma festa… No quintal de suas casas os regos corriam, oferecendo água em abundância para o serviço doméstico. À noite, quando a ambição dormia, as mulheres iam apanhar água, para beber, na passagem de Dr. Venâncio… Volto ao texto:

A nossa bandeira e as nossas armas tiveram fumo e café, a cercá-las. O café começava e o fumo estava na primazia. Simonsen calculou em 12 milhões de libras esterlinas ouro o valor aproximado do tabaco, na era colonial. Todo da Bahia, todo de Cachoeira. No século XVIII ia quatro quintos para a África, para comprar escravos, um quinto para a Europa. Assim, em 1763, de 248 mil arrobas, 185 foram para a África e 56,7 para Portugal. Concorrentes apareceram: desaparecemos. Na Virgínia e nas Antilhas estava a concorrência. Além disso, e por isso, o Estado fizera o monopólio: o parasitismo que ocorre à produção. Morre a galinha dos ovos de ouro. Ou vai morrendo.

Como lá, em Riacho, morreram Recreio, Invernada, Rocinha, Limoeiro e Nazaré; desapareceram as frutas silvestres; secou a cachoeira; as pedras nuas, sem a cobertura hídrica, do peralzinho, são a testemunha muda de um crime ecológico… Agora vou até ao fim:

Estamos arruinando tanto o café, aos olhos de todos, que os americanos já falam de protegê-lo, contra nós mesmos, para que, em nossa instabilidade, não recorramos ao algodão, concorrendo com eles…”

“Para onde foi a nossa borracha, apenas extrativa? Em Ceilão, ou Malaia, fizeram-se plantações, que nos eliminaram do mercado. Nosso Miguel Calmon ficou mal-visto porque preveniu: não queremos nem ser avisados.”

“Tudo é mais ou menos assim. Se os esforçados plantam e fabricam ou extraem, aparece o fisco, os parasitas do Estado, para cobrar, vexar e matar a produção. A Bahia, como as irmãs. Não é que estamos matando o cacau? Em vez de melhorar o nosso mau produto, para vendê-lo mais caro, admitimos “vícios próprios”, escândalo impróprio… Mas, enfim, tínhamos a vantagem da quantidade. Nem mais esta: Acra, na Costa do Ouro, venceu-nos. E, além disto, melhora sua produção, para vendê-la, antes da nossa. Nós fundamos um instituto “comercial”, para acabar com o que ficar. É uma maldição: um trabalha, os outros atrapalham. Um produz, os outros escamoteiam, por vários processos oficiais, o produto.”

“Entretanto, o Correio Brasiliense, de Hipólito da Costa, em Londres, junho de 1808, dizia: “O cacau do Brasil sempre terá bom preço no mercado, assim como o tem agora”. Agora, o cacau do Brasil, apena das Bahia, é o que tem o preço mais baixo, onerado pela praga oficial de um instituto, que concorre com o comércio exportador, suprimindo-o e alimentando uma burocracia inútil, e incompetente, e … nem se fala! Senhor do Bonfim livrai-nos da “proteção” oficial, livrai-nos da “praga” do cacau.”

Pelo resultado a que chegou o cacau, com a “vassoura-de-bruxa” escrevendo-lhe o epitáfio, parece que o Senhor do Bonfim não ouviu a súplica do notável polígrafo. Em Riacho, que chegou a possuir três usinas beneficiadoras de algodão, a mesma incúria, oficial e particular, acabou com a lavoura… Culparam o “bicudo”, como outrora imputaram a responsabilidade da desgraça de outras lavouras à saúva… Falaram em quebradeira… Apelaram para a produção ilegal de carvão vegetal, que faz a “prosperidade” de meia dúzia de espertos, que talam a mata remanescente da caatinga, com irreparáveis conseqüências para o bioma e as fontes hídricas escassas, agravando ainda mais o natural fenômeno da seca, nesse semiárido sofrido. A dedução inescusável é esta: nada mudou…

 

Fernando Guedes

3/8/2011

 

 

jul 26, 2011 - Riacho de Santana    3 Comments

Carvão…

 

Pois é exatamente disso que trata essa última versão da ecologia, em que se presume que o antigo “contrato social” dos pensadores políticos dê lugar a um “contrato natural” no qual o universo inteiro se tornaria sujeito de direito: não mais o homem, considerado o centro do mundo e precisando antes de mais nada ser protegido de si mesmo, mas o cosmos em si é que deve ser defendido dos homens.

Luc Ferry, in A Nova Ordem Ecológica

 

Em julho de 2000, portanto há mais de uma década, no artigo Carvão: Prosperidade ou Inconsciência Ecológica, que está publicado aqui mesmo, neste Blog, denunciei produção ilegal de carvão vegetal no município de Riacho de Santana. Nenhuma providência visando à proibição desse nefasto negócio, com a conseqüente punição dos envolvidos, foi tomada, deixando prosperar o crime com eficácia…

Permita-me, prezado leitor, um parêntese de ordem técnica: para se produzir o aço, para as diversas utilidades industriais, o minério de ferro, estado que esse metal é extraído da natureza, deve ser convertido em ferro-gusa, pela oxirredução com carbono. A fonte de carbono é, no caso que estou tratando, o carvão vegetal. Em última análise, o produto final é uma liga de ferro e carbono, onde este elemento colabora apenas 4% a 4,5%. Essa pequena proporção é a responsável, nesse processo industrial arcaico, pelo negócio do carvão ilegal, que vem talando, há décadas, a caatinga e o cerrado.

É fácil perceber, em Riacho, que são os responsáveis por esquema que garante a siderúrgicas irresponsáveis a cota de carbono, com a qual faz a prosperidade dos industriais. Desse rol não escapam as autoridades locais. Todos, de cabo a rabo, envolvidos, direta ou indiretamente, neste crime contra o meio ambiente, portanto contra a sociedade. Para minha tristeza até parentes e amigos meus pelo meio…

O argumento é o mais sínico que existe: “se parar com o negócio do carvão muita gente passará fome!” Aí, seguindo essa lógica ridícula, “prospera” meia dúzia de espertos, gente sem nenhum escrúpulo moral, acostumada com o erro e com corrupção, que facilmente recruta, na camada social mais carente, a sua mão-de-obra, para derrubar a mata subsistente, queimá-la e ensacar seu produto…

Entrementes, no escritório da cabeça, manipula-se a ATPF (cotada, segundo matéria  dA Tarde, a R$ 1.000,00), num processo intricado pelo envolvimento de numerosos segmentos de interesse: prepostos das siderúrgicas, agentes do IBAMA, da Secretaria de Meio Ambiente, Policia Rodoviária, espias e gerentes de desvios etc. Uma frota de caminhões, de diversos proprietários, está à disposição do negócio, por fretamento. O sistema criminoso se conclui com a sonegação fiscal.

Há, em Riacho, toda a sociedade o sabe, vários fornecedores dessas ATPF falsificadas. Pessoas há, sem possuir um metro quadrado de mata, que as fornecem, como se fornece qualquer artigo de fácil produção.

Na sexta-feira, 22, uma grande operação policial, denominada Corcel Negro II, por alusão ao negrume do carvão, chegou a Riacho de Santana e executou alguns mandados de prisão e de busca e apreensão. Numa ação conjunta entre IBAMA, Ministério Público, Secretaria de Fazenda, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militar e Civil, e Secretaria de Meio Ambiente a cadeia produtiva do carvão ilegal oriundo dos biomas caatinga e cerrado, na Bahia e Minas Gerais, sofreu um golpe certeiro, que poderá colocá-la por terra, se as autoridades não afrouxarem a vigilância. Em Riacho, parte dos implicados nesse negócio não foi atingida e continua traficando o produto na calada da noite.

Segundo as investigações realizadas pelos agentes da operação, a produção ilegal de carvão no norte de Minas Gerais e oeste da Bahia é sustentada pelo comércio de créditos fictícios de carbono gerados em outros estados e destinados a fabricação de parte do ferro-gusa produzido por siderúrgicas em Minas Gerais. Essas siderúrgicas participam ativamente desse processo, recebendo carvão retirado da natureza com documentação fraudada por empresas fantasmas e transportados por caminhoneiros cúmplices.

O esquema criminoso, revelou a operação, é constituído de várias células, espalhados por vários estados, que simulam, no papel, a produção de carvão vegetal com resíduos de serrarias. Em vez disto, o produz queimando criminosamente a mata subsistente do cerrado e da caatinga. A quadrilha completa sua ação criminosa com a comercialização de créditos fictícios de carbono, a partir de planos de manejo autorizados de forma fraudulenta pelos órgãos estaduais de meio ambiente, contando com a interferência política de deputados que ajudaram eleger.

Impressionam os números desse nojento esquema… O monitoramento do sistema de controle de Documento de Origem Florestal (DOF) mostrou, diz o IBAMA, “cerca de 8 mil viagens de caminhões transportando carvão extraídos ilegalmente da caatinga e do cerrado, o que representa pouco mais de meio milhão de metros de carvão, ou seja, cerca de 19 mil hectares de vegetação nativa desmatados sem autorização”! O resultado disso, além da devastação de biomas sensíveis, são os sinais exteriores da riqueza fácil, dos integrantes dessa gangue, cujo patrimônio não encontra, no Imposto de Renda, nenhuma justificativa. Isto será facilmente verificado!

Os integrantes e o mecanismo de ação da quadrilha foram revelados… O que resta será esclarecido com a perícia do material criminoso apreendido e com o depoimento de testemunhas. A quebra dos sigilos bancário e fiscal revelará o tamanho da sonegação fiscal cometida pelos criminosos…

Isto nada tem a ver com produção legal e sustentável de carvão vegetal, a partir de áreas de reflorestamento, para a indústria siderúrgica. Nada! O que acontece é que o negócio legal implica investimentos e o lucro não é imediato, como o do negócio ilegal, que não reclama grandes investimentos, porque da matéria prima cuidou a natureza. Espera-se, agora, que essa atividade ilegal seja definitivamente interrompida.

 

 

Fernando Guedes

25/7/2011

 

maio 24, 2011 - Riacho de Santana    3 Comments

Devolvi; Devolva-me; Devolve…

… A Primavera, que arrebata as asas…

Levou-lhe os passarinhos e os amantes!…

Castro Alves – Aves de Arribação

 

Não será, já o advirto, um serão gramatical, uma lição de conjugação verbal, que deve caber a gramático, que não sou… São três músicas, entre tantas que marcaram a minha juventude, cujas letras e melodias estão aqui, na memória de minha lembrança, guardadas…

Houve em Riacho de Santana, esse querido pedacinho de Pátria, um cidadão por tudo exemplar: Dalcy Fraga! Filho de outro, desse sertão, empreendedor: Virgílio Fraga, de quem falarei oportunamente. Dalcy, que todos conhecíamos pelo apelido afetuoso de Sisí, manteve, à custa de seus próprios recursos, por muitas décadas, um serviço de alto-falante, com o qual educou musicalmente várias gerações. Atento às paradas de sucesso, como se dizia na linguagem do Rádio, adquiria as gravações dos grandes artistas, em discos de 78 rotações por minutos (rpm)… No final da década de 40, do século passado, surgiu a inovação do Long-Playing, mais flexível, com maior capacidade de gravação, 12 ou 14 músicas, em 33 rpm. Sisí, que aprendera eletrônica com o seu autodidatismo, adaptou sua vitrola com dois braços, para executar uns e outros.

Sisí envelheceu… A decadência do homem que envelhece está representada por uma regressão sistemática da intelectualidade. No princípio, a velhice torna medíocre todo homem superior. Depois, a decrepitude inferioriza o velho já medíocre (JOSÉ INGENIEROS).  Emudeceu o alto-falante, num prenúncio dessa decadência humana, com suas conseqüências sociais irreparáveis! A difusão musical em Riacho acabou-se… O poder público municipal, na sua suma incompetência cultural, em todas as épocas, nuca com isso se importou, e Riacho, hoje, é esse “deserto de homens e de idéias” que aí se vê: carvão, “laranjas”, nepotismo, relaxação… incultura!

A casa dos Fragas, que ficou conhecida como a “Casa da Lua”, seja pelo semicírculo da sua platibanda, evocando a lua em crescente, ou ser o ponto de onde se desponta a lua-cheia, para os habitantes da Praça Monsenhor Tobias, é hoje apenas um monumento sem vida. Há muito o alto-falante emudeceu e vivas ali, ao pé da escada que conduz à porta de entrada, na área ajardinada, somente as murtas que ainda teimam em florar… A brisa, que daí soprava, perfumada pelo aroma dessas murtas em flor, trazia aos habitantes da baixa, onde está a minha casa, a voz nítida de Núbia, Anísio e Carlos Galhardo… Como me são cara essas reminiscências!

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida…”

Portanto, falarei agora de saudade… Devolvi, música de Adelino Moreira, gravada em 1961, foi o sucesso inaugural de Núbia Lafayette, pseudônimo da açuense Idenilde Araújo Alves da Costa. O poema é somente saudade, do princípio ao fim:

Devolvi
O cordão e a medalha de ouro
E tudo que ele me presenteou.
Devolvi suas cartas amorosas
E as juras mentirosas,
Com que ele me enganou
.

A desditosa devolução, movida pelas mágoas de um amor que se esfumou, começa assim: pelas coisas, até chegar ao que não se pode devolver: as juras. Essas somente o esquecimento, quando o coração se acalma, poderá recolher…

Devolvi
A aliança e também seu retrato,
Para não ver seu sorriso
No silêncio
Do meu quarto.

Aquela fotografia, antes companheira na solidão de noites insones, é agora um incômodo, que lhe traz a lembrança doida de que ele está, nesse instante, em outros braços; que outros lábios a sua boca beija… Devolver, para esquecer, é ilusão!

Nada quis guardar como lembrança,
Pra não aumentar meu padecer.
Devolvi tudo,
Só não pude devolver
A saudade cruciante,
Que amargura meu viver.

Tudo se devolveu, nada ficou como lembrança… Só a saudade, como seu laivo de remorso, teima em ficar viva, como as murtas, testemunhas de um passado feliz… A saudade, melancólica ou prazerosa, sendo grande, não cabe no envelope da devolução…

Devolva-me, samba-canção de Evaldo Braga e Jair Amorim, de 1959, grande êxito de Anísio Silva, sertanejo de Caculé, também fala de saudade…

Devolva-me

Os dias felizes, que tive na vida

E contigo perdi.

Devolva-me

A grande esperança, suprema aliança

Que eu possuí.

Agora é o infeliz amante que solicita a devolução dos dias felizes, que o fracasso amoroso lhe arrebatou, deixando-o até sem a esperança, que pretende recuperar…

Devolva-me

O tempo exigido

Contigo perdido

Que em vão eu vivi.

A decepção, que o desamor produziu, traz-lhe a dura certeza do tempo perdido, que ela, noutros braços embalada, não lhe pode devolver…

Devolva-me

Os doces beijinhos

E outros carinhos, que te ofereci.

Até os beijos… e outros carinhos, essas íntimas loucuras cometidas na febre da paixão, pede que lhe devolva,  na expectativa de ver recuperada a felicidade perdida. Felicidade que foi apenas ilusão…

Devolveste cartinhas, bilhetes

Que afinal te enviei com prazer,

Porém o que mais me interessa

Isto jamais poderá devolver.

Isto, que já não se pode devolver, são os anelos daqueles dias felizes, vividos quando o amor parecia não ter fim, mas que o tempo e o desamor se incumbiram de deixar na saudade… Sempre na saudade!

Enfim, Devolve… Valsa de Mário Lago, do início da década de 40, que Carlos Galhardo, argentino de nascimento, italiano de ascendência, brasileiro de coração, intitulado O Rei da Valsa, imortalizou…

Mandaste as velhas cartas comovidas,

Que na febre do amor

Te enviei.

As cartas de amor – Love letters straight from your heart – são as primeiras a serem sacrificadas nessa devolução desamorosa…  Teria Mariana Alconforado pedido a devolução das suas (Lettres d’amour d’une religieuse)? Quanto sacrifício, muitas vezes, para enviá-las? Cheguei a enviar a dois remetentes simultaneamente: o primeiro envelope destinava-se a uma intermediária, que fazia a gentileza de entregar o segundo nas mãos da verdadeira destinatária… Poupou-me o amor dessa agonia devolutiva!

Mandaste tudo, porém,

Falta o melhor que te dei.

É o imaterial, que o coração, na ingenuidade do amor, oferece…

Devolve

Toda a tranqüilidade,

Toda a felicidade

Que eu te dei e que perdi.

Do amor ainda descrente, exige a devolução da tranqüilidade e da felicidade… como se esses estados d’alma, íntimos e intransferíveis, pudessem ser remetidos num pacote pelo correio. Se a felicidade é “o gozo contínuo de mil pequeninas comodidades oportunas”, que cada indivíduo deve arbitrar, sem a interferência de outrem, será possível devolver tão íntimas preferências? Há aqui uma confusão, própria do apaixonado, que perde o senso da inteligência do sentimento, a compreensão afetiva, que é o encanto moral do amor, e ama para o seu próprio bem…

Devolve todos os sonhos loucos

Que eu construí aos poucos

E te ofereci.

Devolve,

Eu peço por favor,

Aquele imenso amor

Que nos teus braços esqueci.

Só a paixão, que é alma em tumulto, faz sonhar sonhos loucos… Quando o desamor chega e a depõe, esta, ao ir-se, não se lembra de recolher, daqueles braços, a ilusão do amor…

Devolve,

E eu te devolvo ainda,

Esta saudade infinda

Que tenho de ti.

Essa devolução em mão dupla, em que se quer mandar de volta a saudade, é a suprema ilusão, que agora nutre o apaixonado que o desamor criou… Matar o amor, para vivê-lo noutro plano, nesse inefável mundo onde ele reina soberano, como fizeram os sublimes amantes de Verona, é obra divina. Matar o que restou de um grande amor, com essas devoluções ridículas, é obra bem humana, do egoísmo desamoroso.

Ter saudades é minha vida, disse Castro Alves à sua dileta irmã Adelaide, em 1870, na carta que lhe enviou Aves de Arribação… Assim é a minha, cheia de saudades… Caras saudades que me fizeram desaprender a conjugação do verbo devolver…

Fernando Guedes

16/5/2011


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