Baianos de exportação: Francisco de Castro e outros
Escrito por Afrânio Peixoto
Publicado no Breviário da Bahia
Em 1945
Cedo, mudara de terra e arrostara, sendo rico, na terra natal, vida difícil em terra alheia. Do alemão, que sabia, das humanidades, se fez professor, para continuar a estudar. Depois de formado, médico militar, para continuar no Rio, tentando a clínica. E logo lhe vieram a faculdade e a Fama.
Os discípulos lhe conferiram o nome de “divino mestre”, o que não é sem perigo, de ciúme ou inveja. Depois o Serviço Sanitário, a direção da faculdade, a clínica das mais famosas do mundo… e eis, por isso mesmo, inimigos, em exército, a combatê-lo. Ninguém teve mais ódios, movidos ao talento, nem mais dedicações, promovidas pela admiração. Quando, então, produziu um mirífico Tratado de sua especialidade, o diagnóstico foi um clamor geral, em todo o Brasil.
Entre pasmo, imitação, elogio, ninguém lhe escapou ao fascínio. A linguagem correta tinha tonicidade clássica e, não raro, aqui e ali, uma contextura de dificuldade. Não escrevera, nem falava, a tacanhos. Logo na introdução, a esse Tratado de Clínica Propedêutica, se lia: “Em tais assuntos anda de há muito o autor entendendo, para oportuna, que o é agora, escritura deles”. Não precisou de mais: seduzidos pelos lavores do ouro, ninguém lhe tocou o quilate. Puseram-se a imitá-lo, no indumento. Todos os médicos do Brasil andaram a fala difícil. Algum ficou sem ser mais compreendido: São João em Patmos.
Entretanto, Castro merecia mais que tal sucesso fácil. Rui Barbosa, tão escasso aos contemporâneos, demasiou-se, em vida, no louvor, e, mais tarde, não poupou: “Era Castro, em nossa terra, a mais peregrina expressão da cultura intelectual, que jamais conheci. Tenho encontrado, entre os nossos naturais, aliás raramente, artistas é sábios. Mas nele se me deparou, entre brasileiros, o primeiro exemplo, e único até hoje, a meu parecer, de um sábio num artista. Na exploração da verdade, ou do belo, como no amor ativo do bem, era a mesma excelência, a mesma primazia, a mesma facilidade elegante de quem se acha no seu a na consciência dele se move no seu ambiente nativo”, Não poderia dizer mais, senão minuciar.
Rui não disse, entretanto tudo. Castro não era só saber e o saber dizer: era a novidade ou a originalidade no que sabia e dizia. Em dois discursos de circunstâncias, na Faculdade, a estudantes: duas campanhas vitoriosas, contra dois erros, um inveterado, outro vaidoso, ambos difíceis de vencer. Um foi o do diagnóstico das febres no Rio, a malariofilia, a tifo-malária incompreensível, o abuso da quinina… E o erro, emendado, desapareceu. Outro foi a zombaria contra a praga dos remédios novos que, em falta de ciência e consciência, se receitavam e se propalavam. O charlatanismo das drogas da última revista que só curam quando ainda no cartaz dos reclamos. E a vaidade fugiu com o corpo…
Castro é levado à Academia. É ouvido pelo Governo. Disputa-o a Clínica das conferências. O divino mestre não cansa de ensinar. E como em pleno verão, de sol ardente, cai um raio, Castro é fulminado, por mal tão súbito que a lenda se lhe criou em torno do nome, como se fora arrebatado pelo cataclismo e desaparecesse no inopinado. Ainda hoje, há o pasmo e o comentário, a lenda que não se quer convencer…
Médico nenhum teve no Brasil o seu renome: nem na altura da ciência, nem na irradiação da fama. A palavra docente, a escritura doutrinária, o diagnóstico, com a experiência, a observação, o laboratório, ao serviço do ensino, nunca foi tão bem servido. Um sábio num artista.
Sela ele simbólico de outros baianos que na Faculdade do Rio honraram as tradições da Bahia, de talento e capacidade. Só alguns nomes, para lembrança: Bonifácio de Abreu, que também teve boas letras clássicas; Monteiro Caminhoá, que nacionalizou o ensino de história natural; Barata Ribeiro, o iniciador da ortopedia entre nós; Benício de Abreu, perfeito clínico, que transmitia seu saber, de experiências feito; Pedro Severiano Magalhães, tropicalista que deu noções novas à medicina americana…
Capítulo transcrito em 18/10/2009
em homenagem ao Dia do Médico.
Fernando Guedes.
AMARGURAS
Sobre o mar agitado dos tormentos
Um dia eu me perdi,
E embalde perguntei aos quatro ventos:
– Por que foi que nasci?
Desamparou-me a última esperança
Que o meu peito nutriu,
– Fantástica miragem de bonança
Brilhou e se esvaiu.
Minha infância passou qual de uma aurora
O fugitivo espaço;
Já não sinto a seu seio unir-me agora
De minha mãe o abraço.
Meu peito é como um templo abandonado,
Já quase a desabar;
A imagem saudosa do passado
Habita o ermo altar.
A saudade é o anjo das tristezas
Que me acompanha a mim.
Oprimem-me pungentes incertezas,
– Pesadelo sem fim!…
Oh! eu invejo a ave que se esconde
No espesso laranjal:
Ao gemido do mar ela responde
Com o canto matinal!
E à hora fatal de ave-maria,
Quando adormece a flor,
Ela solta uma casta melodia
De límpido frescor.
Dos meus cândidos sonhos inocentes
Bem cedo despertei;
E o tributo de lágrimas ardentes
Ao martírio paguei.
Francisco de Castro
Harmonias Errantes
1878