out 18, 2009 - Poligrafia    No Comments

Baianos de exportação: Francisco de Castro e outros

Escrito por Afrânio Peixoto

Publicado no Breviário da Bahia

Em 1945

franciscodecastroEste, longe da Bahia, também honrou a Bahia. Francisco de Castro, nascido na Calçada do Bonfim, em 1857, morreu no Rio, Rua Marquês de Abrantes, em 1901, com pouco mais de quarenta anos, idade da qual se diz que daí começa a vida. Não chegara a viver… E, entretanto, tivera vida esforçada como gloriosa.

Cedo, mudara de terra e arrostara, sendo rico, na terra natal, vida difícil em terra alheia. Do alemão, que sabia, das humanidades, se fez professor, para continuar a estudar. Depois de formado, médico militar, para continuar no Rio, tentando a clínica. E logo lhe vieram a faculdade e a Fama.

Os discípulos lhe conferiram o nome de “divino mestre”, o que não é sem perigo, de ciúme ou inveja. Depois o Serviço Sanitário, a direção da faculdade, a clínica das mais famosas do mundo… e eis, por isso mesmo, inimigos, em exército, a combatê-lo. Ninguém teve mais ódios, movidos ao talento, nem mais dedicações, promovidas pela admiração. Quando, então, produziu um mirífico Tratado de sua especialidade, o diagnóstico foi um clamor geral, em todo o Brasil.

Entre pasmo, imitação, elogio, ninguém lhe escapou ao fascínio. A linguagem correta tinha tonicidade clássica e, não raro, aqui e ali, uma contextura de dificuldade. Não escrevera, nem falava, a tacanhos. Logo na introdução, a esse Tratado de Clínica Propedêutica, se lia: “Em tais assuntos anda de há muito o autor entendendo, para oportuna, que o é agora, escritura deles”. Não precisou de mais: seduzidos pelos lavores do ouro, ninguém lhe tocou o quilate. Puseram-se a imitá-lo, no indumento. Todos os médicos do Brasil andaram a fala difícil. Algum ficou sem ser mais compreendido: São João em Patmos.

Entretanto, Castro merecia mais que tal sucesso fácil. Rui Barbosa, tão escasso aos contemporâneos, demasiou-se, em vida, no louvor, e, mais tarde, não poupou: “Era Castro, em nossa terra, a mais peregrina expressão da cultura intelectual, que jamais conheci. Tenho encontrado, entre os nossos naturais, aliás raramente, artistas é sábios. Mas nele se me deparou, entre brasileiros, o primeiro exemplo, e único até hoje, a meu parecer, de um sábio num artista. Na exploração da verdade, ou do belo, como no amor ativo do bem, era a mesma excelência, a mesma primazia, a mesma facilidade elegante de quem se acha no seu a na consciência dele se move no seu ambiente nativo”, Não poderia dizer mais, senão minuciar.

Rui não disse, entretanto tudo. Castro não era só saber e o saber dizer: era a novidade ou a originalidade no que sabia e dizia. Em dois discursos de circunstâncias, na Faculdade, a estudantes: duas campanhas vitoriosas, contra dois erros, um inveterado, outro vaidoso, ambos difíceis de vencer. Um foi o do diagnóstico das febres no Rio, a malariofilia, a tifo-malária incompreensível, o abuso da quinina… E o erro, emendado, desapareceu. Outro foi a zombaria contra a praga dos remédios novos que, em falta de ciência e consciência, se receitavam e se propalavam. O charlatanismo das drogas da última revista que só curam quando ainda no cartaz dos reclamos. E a vaidade fugiu com o corpo…

FMPVCastro é levado à Academia. É ouvido pelo Governo. Disputa-o a Clínica das conferências. O divino mestre não cansa de ensinar. E como em pleno verão, de sol ardente, cai um raio, Castro é fulminado, por mal tão súbito que a lenda se lhe criou em torno do nome, como se fora arrebatado pelo cataclismo e desaparecesse no inopinado. Ainda hoje, há o pasmo e o comentário, a lenda que não se quer convencer…

Médico nenhum teve no Brasil o seu renome: nem na altura da ciência, nem na irradiação da fama. A palavra docente, a escritura doutrinária, o diagnóstico, com a experiência, a observação, o laboratório, ao serviço do ensino, nunca foi tão bem servido. Um sábio num artista.

Sela ele simbólico de outros baianos que na Faculdade do Rio honraram as tradições da Bahia, de talento e capacidade. Só alguns nomes, para lembrança: Bonifácio de Abreu, que também teve boas letras clássicas; Monteiro Caminhoá, que nacionalizou o ensino de história natural; Barata Ribeiro, o iniciador da ortopedia entre nós; Benício de Abreu, perfeito clínico, que transmitia seu saber, de experiências feito; Pedro Severiano Magalhães, tropicalista que deu noções novas à medicina americana…

Capítulo transcrito em 18/10/2009

em homenagem ao Dia do Médico.

Fernando Guedes.

AMARGURAS

Sobre o mar agitado dos tormentos
Um dia eu me perdi,
E embalde perguntei aos quatro ventos:
– Por que foi que nasci?

Desamparou-me a última esperança
Que o meu peito nutriu,
– Fantástica miragem de bonança
Brilhou e se esvaiu.

Minha infância passou qual de uma aurora
O fugitivo espaço;
Já não sinto a seu seio unir-me agora
De minha mãe o abraço.

Meu peito é como um templo abandonado,
Já quase a desabar;
A imagem saudosa do passado
Habita o ermo altar.

A saudade é o anjo das tristezas
Que me acompanha a mim.
Oprimem-me pungentes incertezas,
– Pesadelo sem fim!…

Oh! eu invejo a ave que se esconde
No espesso laranjal:
Ao gemido do mar ela responde
Com o canto matinal!

E à hora fatal de ave-maria,
Quando adormece a flor,
Ela solta uma casta melodia
De límpido frescor.

Dos meus cândidos sonhos inocentes
Bem cedo despertei;
E o tributo de lágrimas ardentes
Ao martírio paguei.

Francisco de Castro

Harmonias Errantes

1878

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