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maio 2, 2013 - Poligrafia    No Comments

Chorei e não procurei esconder…

 
 
Tenho saudades… ai! de ti, São Paulo,
– Rosa de Espanha no hibernal Friul –
Quando o estudante e a serenata acordam
As belas filhas do país do sul. (Castro Alves)
 
Salve nobre Paulicéia!…
Exílio da Mocidade.
Terra de névoas e sonhos
De cinismo e liberdade.(Castro Alves )

 

Tentarei, nesta linhas, dar a Volta por Cima… Anunciou-me o jornal a morte de Paulo Vanzolini, aos 89 anos. O que sei dele dá-lhe uma expressão plural, de cientista e boêmio, que lhe torna a personalidade encantadoramente simples…

Tudo de longe, admirando-o mais pela boemia que pela ciência… Médico, portanto meu colega; Doutor em Zoologia, por Harvard, trabalhou a vida toda no Museu de Zoologia, da Universidade de São Paulo, o que lhe valeu notoriedade científica internacional. Com Aziz Ab´Sáber, outro que sempre admirei, desenvolveu e aprofundou a Teoria dos Refúgios. Trabalhava, como costumava dizer, de dia e rondava de noite pela Paulicéia, para outras observações: as humanas, nos botecos, nas esquinas, nos bares, nos restaurantes… Servindo ao Exército, entre 1944 e 1945, de ronda no baixo meretrício, observou aquele tipo humano atormentado, inspiração da personagem que fez confessar:

De noite eu rondo a cidade
A te procurar sem encontrar
No meio de olhares espio em todos os bares
Você não está.

 Que, assim, sem encontrar o homem predileto, torna à solidão:

 Volto pra casa abatida
Desencantada da vida

 Mas, sem ter quem bem lhe queira, para aconselhar a desistência, insiste, com perfeita paciência, em buscar… Vagado pelos bares, até que o encontrar

 Bebendo com outras mulheres
Rolando um dadinho
Jogando bilhar…

Como ver branco o negro e o negro branco, é próprio de amor… Como todo amor poetiza seu objeto; poetizar significa revestir de gratas mentiras, o amor contrariado

 Vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar
Da avenida São João

Paulo, perguntou-lhe um entrevistador, você considera Ronda uma obra prima? Riu-se, com o desdém de sábio, e respondeu: “Acho piegas. Mulher que mata o amante…”

 A música, segundo seu próprio depoimento, foi gravada por acaso… Fora assistir a Inezita Barroso gravar a Moda da Pinga e se surpreendeu, ali, com o pedido de autorização para gravar a sua no lado B do disco, que não podia ser editado sem esse lado preenchido. “Eu nem sabia que disco tinha lado B…” Observou e autorizou! Disse, noutra entrevista, que a música ficou sepultada, por muito tempo, naquele duro lado B…

Contratado para editar um disco sobre suas músicas, Marcus Pereira, publicitário, incluiu Ronda entre os Onze Sambas e Uma Capoeira, cuja alta qualidade do arranjo a transformou no hino da alma boêmia, essa mesma que não se preocupa nem com colesterol nem com eletrocardiograma, para viver, se não muito, ao menos feliz.

E o Samba Erudito, Paulo, deu-lhe muito trabalho? A resposta, porque sincera, era sempre desconcertante: “Samba a gente faz por que quer, principalmente quando tropeça numa ideia”.  E que tropeço! Céu e mar, altura e profundidade da erudita inteligência:

 Andei sobre as águas
Como São Pedro
Como Santos Dumont
Fui aos ares sem medo
Fui ao fundo do mar
Como o velho Picard
Só pra me exibir
Só pra te impressionar

 Mas, mulher é sempre mulher…

Para tanta proeza
Põe um preço tão alto
Na sua beleza…

Só restando ao desditado…

Ante a força dos fatos
Lavei minhas mãos
Como Pôncio Pilatos.

Costumava tomar a condução para o Ipiranga, onde fica o Museu de Zoologia, na Praça Clóvis, de Clóvis Bevilaqua, notável jurista cearense e autor do projeto do nosso primeiro Código Civil… Ali, enquanto a condução não vinha, o zoólogo deixava o poeta observar, e este novamente tropeçou numa ideia:

Na praça Clóvis
Minha carteira foi batida
Tinha vinte e cinco cruzeiros
E o teu retrato.

Aquele retrato não devolvido, que ainda não foi aos pés de outra rasgado…

Esse retrato cujo olhar
Me maltratava e perseguia
Um dia veio o lanceiro
Naquele aperto da praça
vinte e cinco
Francamente foi de graça.

Sem mais o retrato que o maltratava e perseguia, deu Volta por Cima, afinal

Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher
Venha lhe dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima,

no encontro de todas as suas Noites. Uma delas, a humana Ilustrada, leva ao sucesso a composição do poeta-cientista, resultando em muito dinheiro… Em que o aplicou? Em livros, para a biblioteca do Museu e na construção de um novo banheiro nessa biblioteca!

Mas, vencida a dificuldade com grandeza, notadamente se teve a ventura de ser um boêmio num cientista; de uma personalidade plural num homem simples, que pesquisava no laboratório com a mesma simplicidade que frequentava o boteco paulistano, estava pronto para empreender sua Ronda definitiva, até porque já tinha avisado:

Quando eu for, eu vou sem pena
Pena vai ter quem ficar.

Confesso que quando peguei na pena, para escrever, sem pena, esta simples homenagem, deu-me pena de não tê-lo conhecido pessoalmente.

 

Fernando Guedes

29/04/2013

Os versos são de autoria do Dr. Paulo Vanzolini, aqui citados para compor-lhe esta homenagem.

out 22, 2010 - Poligrafia    No Comments

Nessa situação, o paradigma é falso…

Não o conheço; nunca o vi de perto. O Sr. José de Alencar, empresário mineiro, vice-presidente da república, cuja doença é divulgada com detalhes pela mídia, foi elevado à categoria de herói, em face da bravura com a qual enfrenta e combate o mal que o consome. É o que dizem…

Um dos compromissos políticos da primeira candidata da situação, Sra. Dilma Rousseff, em 11/9/2010, foi visitar o Sr. José de Alencar então internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ao sair da visita, diante da idiotia midiática, declarou estar muito emocionada ao ver a “feição extremamente saudável” de Alencar, e arrematou: “Ele é um guerreiro, não vai se entregar”.

Não comentarei a ignorância médica da candidata, que, sendo quem é, devia ter a discrição de nada comentar acerca do estado de saúde do paciente. Portanto, de mim, nenhuma palavra sobre o prognóstico de José de Alencar!

Mas, o caso extrapola o âmbito médico, para suscitar uma relação sócio-econômica, que pode e dever ser comentada. Veja bem, o paciente é empresário, dono de grandes haveres, além de ser o vice-presidente da republica, com as regalias decorrentes da função que ocupa.

Adoeceu em Brasília, toma-se o avião da vice-presidência e voa para São Paulo. Pousa na base aérea, da Aeronáutica, onde um helicóptero o espera. Toma-o e decola para o heliporto do Hospital Sírio-Libanês, onde uma equipe de especialistas médicos está de prontidão, para atendê-lo. Chegando ao hospital vai direto para a suíte, ou para a UTI, porque a vaga já esta reservada. Faz, no mesmo instante, todos os exames, do simples hemograma a mais sofisticada ressonância magnética, e não precisa esperar para receber os resultados, porque os médicos se incumbem de obtê-los.

Sem nenhuma demora, inicia-se a terapêutica indicada, com drogas e procedimentos de última geração. Conforto, atenção, prontidão… Se for necessário ir aos Estados Unidos, o avião está abastecido e a tripulação a postos. Hospital e médicos lá avisados, para recebê-lo. Embaixada e Consulado à sua disposição, para desembaraçar o que for necessário!

Vamos à antítese… Se o Sr. Alencar não fosse quem é e necessitasse acordar às 4 da manhã para enfrentar a fila no SUS, se deparar com a indiferença de funcionários e de médicos, amargar a demora para conseguir fazer exames complementares, sem acesso à medicação e a procedimentos de alto custo, resistiria o quanto tem resistido? Seria o herói que é? Se isso acontecesse, o mérito não era da moderna medicina, era de um milagre. Alencar, não seria um herói, seria um santo!

Mas, como as coisas não são assim, malgrado o seu otimismo contagiante, ele resiste porque tem as condições para resistir, e, nessa situação, o paradigma é falso…

Fernando Guedes

18/10/2010


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