ago 10, 2011 - Riacho de Santana    1 Comment

Nada mudou…

A queimada! A queimada é uma fornalha!

A irara – pula; o cascavel – chocalha…

Raiva, espuma o tapir!

… E às vezes sobre o cume de um rochedo

A corça e o tigre – náufragos do medo –

Vão trêmulos se unir!

 

Castro Alves, in A Queimada

 

Tenho dois livros de cabeceira: Breviário da Bahia (1945) e Livro de Horas (1947). Abri este, ao acaso, na página 276, e comecei ler Pragas Nacionais

“Quem considera a civilização, no Brasil, tem um aperto de coração. É tudo tão rápido, tão instável, tão efêmero! Mal começa o presente, é já passado. Acabou-se. Monteiro Lobato escreveu um livro com o título fatídico: Cidades Mortas. Todas jovens, porém, mais 50 anos, taperas, a vida de uma geração.”

Lembrei-me, então, de um comentário que recebi acerca do meu artigo Carvão, publicado neste espaço… O leitor escreveu que concordava com a tese, mas esperava que os órgãos competentes apoiassem os produtores de carvão vegetal, para não acontecer com eles o que aconteceu com os produtores de algodão que, sem apoio oficial, quebram-se todos… Tono a me concentrar na leitura:

Derruba-se a mata; seca, é queimada; coivara, aceiro, plantio, boas colheitas. Depois, ao sol, sem irrigação, sem adubo, desmedra, deixa de dar. Para a frente, fazedores de desertos! E vai-se acabando o Brasil. Assim, o vale do Paraíba, cuja prosperidade fez o reinado de Pedro II, 50 anos, que acabaram na penúria, cujos remédios, Abolição e República, foram mortais. Ao noroeste de São Paulo e ao sul de Minas, que ocorreram, está acontecendo o mesmo, com o auxílio da broca, do Instituto do café, da “política”…”

Pois é: já vimos esse filme outras vezes… Agora, aí em Riacho de Santana, é a produção ilegal de carvão vegetal a tábua de salvação de aproveitadores. Desses que simulam possuir créditos legais de carbono e mandam queimar o que resta da caatinga e do cerrado. Penso nessas siderúrgicas irresponsáveis que compram essa produção ilegal; vejo aqueles caminhões carregados de carvão ilegal estacionados no Posto Bom Jardim, esperando o comando do espia para prosseguir no tráfico…  Essa gente está preocupada com a quebradeira! Mas, a lição continua:

Temos tido lavoura e indústrias que chegara, prosperaram, acabaram. O pau-brasil durou até o começo do século XIX, mas limpou o nordeste de suas matas e, não reflorestado, deu no cataclisma das secas. Tivemos as madeiras duras, de lei, que acabaram pela derrubada, fogo e não replantio. Não é que no século XVIII produzíamos o anil, indústria próspera, que chegou, em 1776, à exportação de 5.000 arrobas? Onde está ela? Depereceu e acabou-se, com concorrência das colônias inglesas. Com Dom João VI veio a sugestão do chá, que foi aqui anterior ao café, e, entretanto, onde está ela, esta lavoura? Não ficaram nem traços.

A minha geração, anos 50 do século XX, ainda alcançou mata ali atrás e aos lados do Xavier Marques! No recreio da escola, saímos ao redor para apanhar bananinhas… Atravessada a ponte do São Félix, mata… Fartura de frutas silvestres: umbu, alcaçuz, maracujá etc., cujo trabalho era apenas o de colhê-las, porque a natureza se incumbia da produção. O rio corria o ano inteiro; a cachoeira era o banheiro da cidade; o “peralzinho” foi palco de muitos piqueniques; os engenhos Recreio, Invernada, Rocinha, Limoeiro, Nazaré, na moagem, eram uma festa… No quintal de suas casas os regos corriam, oferecendo água em abundância para o serviço doméstico. À noite, quando a ambição dormia, as mulheres iam apanhar água, para beber, na passagem de Dr. Venâncio… Volto ao texto:

A nossa bandeira e as nossas armas tiveram fumo e café, a cercá-las. O café começava e o fumo estava na primazia. Simonsen calculou em 12 milhões de libras esterlinas ouro o valor aproximado do tabaco, na era colonial. Todo da Bahia, todo de Cachoeira. No século XVIII ia quatro quintos para a África, para comprar escravos, um quinto para a Europa. Assim, em 1763, de 248 mil arrobas, 185 foram para a África e 56,7 para Portugal. Concorrentes apareceram: desaparecemos. Na Virgínia e nas Antilhas estava a concorrência. Além disso, e por isso, o Estado fizera o monopólio: o parasitismo que ocorre à produção. Morre a galinha dos ovos de ouro. Ou vai morrendo.

Como lá, em Riacho, morreram Recreio, Invernada, Rocinha, Limoeiro e Nazaré; desapareceram as frutas silvestres; secou a cachoeira; as pedras nuas, sem a cobertura hídrica, do peralzinho, são a testemunha muda de um crime ecológico… Agora vou até ao fim:

Estamos arruinando tanto o café, aos olhos de todos, que os americanos já falam de protegê-lo, contra nós mesmos, para que, em nossa instabilidade, não recorramos ao algodão, concorrendo com eles…”

“Para onde foi a nossa borracha, apenas extrativa? Em Ceilão, ou Malaia, fizeram-se plantações, que nos eliminaram do mercado. Nosso Miguel Calmon ficou mal-visto porque preveniu: não queremos nem ser avisados.”

“Tudo é mais ou menos assim. Se os esforçados plantam e fabricam ou extraem, aparece o fisco, os parasitas do Estado, para cobrar, vexar e matar a produção. A Bahia, como as irmãs. Não é que estamos matando o cacau? Em vez de melhorar o nosso mau produto, para vendê-lo mais caro, admitimos “vícios próprios”, escândalo impróprio… Mas, enfim, tínhamos a vantagem da quantidade. Nem mais esta: Acra, na Costa do Ouro, venceu-nos. E, além disto, melhora sua produção, para vendê-la, antes da nossa. Nós fundamos um instituto “comercial”, para acabar com o que ficar. É uma maldição: um trabalha, os outros atrapalham. Um produz, os outros escamoteiam, por vários processos oficiais, o produto.”

“Entretanto, o Correio Brasiliense, de Hipólito da Costa, em Londres, junho de 1808, dizia: “O cacau do Brasil sempre terá bom preço no mercado, assim como o tem agora”. Agora, o cacau do Brasil, apena das Bahia, é o que tem o preço mais baixo, onerado pela praga oficial de um instituto, que concorre com o comércio exportador, suprimindo-o e alimentando uma burocracia inútil, e incompetente, e … nem se fala! Senhor do Bonfim livrai-nos da “proteção” oficial, livrai-nos da “praga” do cacau.”

Pelo resultado a que chegou o cacau, com a “vassoura-de-bruxa” escrevendo-lhe o epitáfio, parece que o Senhor do Bonfim não ouviu a súplica do notável polígrafo. Em Riacho, que chegou a possuir três usinas beneficiadoras de algodão, a mesma incúria, oficial e particular, acabou com a lavoura… Culparam o “bicudo”, como outrora imputaram a responsabilidade da desgraça de outras lavouras à saúva… Falaram em quebradeira… Apelaram para a produção ilegal de carvão vegetal, que faz a “prosperidade” de meia dúzia de espertos, que talam a mata remanescente da caatinga, com irreparáveis conseqüências para o bioma e as fontes hídricas escassas, agravando ainda mais o natural fenômeno da seca, nesse semiárido sofrido. A dedução inescusável é esta: nada mudou…

 

Fernando Guedes

3/8/2011

 

 

1 Comment

  • Insigne Amigo Fernando, peço mais uma vez sua licença para comentar um de seus textos.

    Recentemente, em 06 de Agosto de 2011, foi anunciado pelo Governo Federal a aprovação da Medida Provisória que reduz fortemente a tributação da produção, em solo Brasileiro, de computadores de mão, os conhecidos Tablets.

    Considero os benefícios fiscais um grande parasitismo, causador de distorções enormes e desigualdades sem tamanho. Se não há benefício fiscal, a produção não se estabelece no país. Se há o benefício fiscal, cria-se distorções que privilegia uns, enquanto outros agonizam com cargas tributárias enormes – os parasitas do fisco fazendo seu belo trabalho.

    Forma-se aí, um casamento fraco, efêmero, instável. E o que fica para o país? Nada de muito valor, enquanto que o Governo continua sob a égide da geração de emprego e da transferência de tecnologia.

    Todos nós sabemos que isso não é de todo verdade. A geração de emprego não é qualificada para se garantir competitividade em âmbito internacional e a transferência de tecnologia não ocorre, de fato.

    Infelizmente, parece estar piorando…

    Sandro Alves
    Recife, 07 de Setembro de 2011

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