maio 3, 2010 - Poligrafia    No Comments

Farinha do mesmo saco…

Depois que o Supremo Tribunal Federal, em demorada seção, rejeitou a ação impetrada pela OAB, reivindicatória de nova interpretação da Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como lei da anistia, com a intenção de punir crimes comuns cometidos por agentes do Estado, leio, nos jornais de hoje, manchetes enganadoras, como esta do JB: “Torturadores continuam impunes, decide STF.” No próprio sítio eletrônico da OAB, esta: “Supremo Tribunal Federal não faz justiça ao anistiar torturadores.”

Depois do longo voto do ministro relator, Dr. Eros Grau, elogiado por toda a corte como um voto antológico, por abranger todos os aspectos suscitados pela causa: jurídico, sociológico, histórico, filosófico etc., seguiram-se outros, seis, contra a pretensão da OAB. Vencidos dois, um do ministro-poeta, que abusou, sem êxito, das figuras de linguagem, como se tivesse versejando o poema da antijuricidade… Como jurista, foi poeta de mais, por isto fingiu, como fingidor é o poeta (Finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente. – Fernando Pessoa).

Sete a dois: o enterro de uma pretensão descabida… A aludida lei foi o resultado de um pacto, negociado por quem então tinha legitimidade para celebrá-lo (CÉSAR PELUSO), inclusive a OAB, sob a presidência de Seabra Fagundes, que sabia que o projeto da anistia só prosperaria se fosse bilateral e extinguisse  os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

A bilateralidade e abrangência a crimes de qualquer natureza foi o espírito da lei da anistia, reconhecido por figuras insuspeitas como Paulo Brossard, Raimundo Faoro, Teotônio Vilela, Rafael de Almeida Magalhães etc. O Conselho Federal da OAB de então emitiu uma manifestação unânime sobre o projeto de lei, reconhecendo-o, a esse espírito, e a amplitude heterodoxa da definição dos crimes abrangidos.

O parecer foi elaborado por Dr. Sepúlveda Pertence, que o reiterou, trinta e um anos depois, numa entrevista, repetida com exaustão na seção do STF. Disse: “Se não pude evitá-lo, é porque a minha convicção jurídica continua a mesma do parecer apresentado à Ordem, em 1979: não obstante toda a nossa repulsa à tortura estatal, os torturadores foram, sim, anistiados pela lei de 1979.”

Mas, torno ao contexto do título… A opinião pública é, em última análise, a vítima desse sistema desonesto de informação, instituído nesta nossa sociedade contemporânea. Vejam: “Torturadores continuam impunes, decide STF”, afirmou um dos grandes jornais brasileiros. Não foi isto que o STF decidiu. Decidiu que a lei da assistida foi regularmente decretada, que cumpriu o efeito para o qual foi decretada, e anistiou bilateralmente crimes de qualquer natureza. Não continuam, pois, impunes os torturadores, porque, no período de dois de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, não há crimes a serem punidos, porque a lei os extinguiu. Se os crimes foram extintos, a punibilidade deles também, por conseqüência, o foi. Diga-se isto à sociedade.

Supremo Tribunal Federal não faz justiça ao anistiar torturadores”, afirmou o site da OAB. Se esta afirmação fosse de um panfleto qualquer a ignorância que encerra seria relevada… Não pode ser, sendo de quem é. Quem anistiou os criminosos foi o Congresso Nacional, ao decretar a lei da anistia. Será que a OAB não sabe disto? Sabe, muito bem! Se não é ignorância, que não pode ser, o que é, então? Enganadores, esses que não se convencem do próprio equívoco, e tentam enganar a esses que não aceitam a realidade dos fatos. Enganadores e enganados: farinha do mesmo saco…

Que me não venham dizer que eu esteja, com este artigo, defendendo tortura e torturador. Não, não… mil vezes não! Se eles, os torturadores, de ambos os lados, foram beneficiados com a anistia, que lhes suprimiu os crimes, não o serão nunca apagados da memória dos que sobreviveram às suas atrocidades, nem da dos que, embora as não sofrendo, tiveram delas consciência.  Que se abram, logo, esses arquivos, para que a sociedade possa se defrontar com verdade e conhecer-lhe a dimensão, seja ela qual for.

Fernando Guedes

30/04/2010

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