Ruy e Octávio Mangabeira riem de mim…
Quando uma convicção me entra no espírito, resultante de exame profundo ou longa observação, é difícil que dela me libere. Não creio, não há jeito de acreditar que se tire este país do labirinto em as circunstâncias o meteram, senão depois que ele por alguma, não direi transformação porque a palavra pode prestar-se a equívocos, mas reforma, atingindo os espíritos, e que tenha o poder ou o condão de inspirar e torná-las exeqüíveis. (Octávio Mangabeira)
Os debates, na representação nacional, não servem para deixar ver a verdade sobre o Governo da Nação. Para o que servem, é para a encobrir. Se papel dissimulativo os rebaixa. Sua baixeza os entrega à mediocridade. Sua mediocridade os inutiliza. Sua inutilidade os separa do povo, que os aborrece, os evita, os ignora, e se habitua a não os escutar. (Ruy Barbosa)
Sentei-me ao computador para ler os jornais e me deparei, nas primeiras páginas, com o resultado de uma pesquisa que dá, para a primeira candidata da situação, a vitória logo no primeiro turno. A avaliação favorável do atual governo, patrocinador dessa candidatura, diz a pesquisa, é recorde na história da República: 80%.
Assisto à propaganda eleitoral e percebo, com clareza, o caráter plebiscitário que situação e situação imprimem à eleição. A repetição não é erro: é constatação. Não temos oposição!
Assaltado por um desalento, olho o entorno e me deparo, numa estante, com Ruy Barbosa e Otavio Mangabeira: outra constatação. Homens verdadeiros (não sombras) e idéias só nas estantes.
A televisão, ao lado, anuncia o início do programa eleitoral. Interrompo a escrita e volto-me para a televisão. A primeira candidata da situação, a boa-moça política, inicia sua propaganda exaltando os feitos e as obras do governo a que serve e conclama o povo, notadamente os 80% que estão felizes com tais “conquistas”, que reelejam, para o terceiro mandato, o “governo da felicidade”. Lula aparece no vídeo, com aquela modéstia de quem se acha dono do Cruzeiro do Sul, e pergunta: “Como é que um torneiro mecânico conseguiu fazer mais Universidades que os letrados?” A platéia, em aplausos, delirou… É coisa do Brasil, que nunca teve apreço pela cultura (o Brasil preferiu Hermes da Fonseca a Ruy). O segundo candidato da situação, o hipocondríaco político, que tem medo de aparecer ao lado do ex-presidente a que serviu, porque acha mais proveitosa propaganda com Lula, de quem promete manter os programas, se compromete com a retomada dos mutirões de catarata e próstata, mais genéricos e clínicas de especialidades. A terceira, a extrativista política, prega a sustentabilidade e o retorno ao naturalismo, para trocar o Brasil que temos pelo Brasil que queremos; isto é, que ela idealiza e imagina. Lá, no governo, esteve ministra e se limitou ao Brasil possível… Os três, situação que são, tudo fazem para colher, nessa maldita seara política, a sobra que se derrama da bruaca política de Lula. Este, certamente, se tornará Doutor Honoris Causa de uma dessas Universidades que criou, se não o for da USP…
Entre os outros, que não pontuaram na pesquisa, não há quem lidere um contingente eleitoral suficiente para tornar-se oposição viável. Para ser oposição viável não basta não estar no governo, não servi-lo, é necessário, além de não estar no governo, se opor a ele, com condição política e moral de enfrentá-lo no Congresso. Não se deixar seduzir por migalhas embutidas, de alcatéia, em medidas provisórias; não transigir em nenhuma hipótese. Todos eles são uma oposição nominal consentida por esse anacrônico sistema eleitoral. O valor dessa oposição, em termos de transformações legislativas, é mesmo valor do zero à esquerda, que é o atual valor da esquerda no Brasil. Imagine, neste maluco sistema político, um governo com a pretensão de limitar a propriedade rural em 1.000 hectares, de suspender o pagamento de juros da dívida pública, de reestatizar a Vale, de fazer da Petrobras uma empresa pública, de substituir o liberalismo econômico pelo socialismo, de promover uma radical reforma tributária, de implantar outro sistema eleitoral… Com que Congresso? Com que Judiciário? Revolução, como sabe, aqui só produz ditaduras…
Um amigo do PSOL argumenta que tudo isto é possível com a mobilização popular. Será isto possível? Desde que o sufrágio foi transformado é moeda e as eleições em negócio somente os ingênuos acreditam na mobilização popular. Quando Getúlio, esse ditador elevado, pelo inusitado da morte, a estadista, entrou em desgraça, abandonado por todos, pretendeu-se, aqui em Salvador, mobilizar o povo em seu favor. Quando se reuniram, em praça pública, para o comício, contavam-se nos dedos das mãos os presentes… Otávio Mangabeira teria dito: “Onde está o povo?” Fito a cena política atual; assisto às seções do Senado, hoje uma caricatura de casa legislativa, que só delibera sobre requerimentos de voto de elogio ou de pesar; vejo a pantomima das CPIs; observo os discursos hipócritas contra as medidas provisórias; constado o ridículo de acusadores apanhados nos mesmos erros das acusações; já cansado da bolorenta oratória de Simon, de Mão Santa, de Cristovam Buarque, pergunto a mim mesmo: onde está a oposição? Volto os olhos para a mesma estante e tenho a impressão de que Ruy e Otavio Mangabeira riem de mim…
Fernando Guedes
3/9/2010