maio 30, 2005 - Poligrafia    2 Comments

Tabaco: réu de morte ou vítima da hipocrisia humana?

“Fumar es un placer genial,  sensual…

Dame el humo de tu boca,

dame que en mí passión provoca…”

Do tango Fumando Espero, de J. Viladomat Masanas

“Pobre moreno
Que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo o cigarro por companheiro.”

Do samba-canção No rancho Fundo, poema de Lamartine Babo e música de Ary Barroso.

No dia em que o homem tiver juízo se interessará mais em escrever a história das coisas, do que a sua própria história, que é menos interessante. Se o humano, mesmo criminoso, merece defesa, por que não há de merecer a coisa perigosa? Eu acho que merece, e aqui faço a defesa do tabaco, para que ele possa ser condenado justamente.

“A história da medicina tem sido uma constante substituição de mentiras por falácias”, e uma das falácias comum nestes tempos atuais é a execração de certos hábitos, sem ao menos considerar as suas virtudes. Que o tabaco faz mal à saúde, não é novidade. Está relacionado com o câncer de pulmão, com a bronquite crônica, com infarto do coração, do cérebro, etc., em muitas pessoas. Se a Veja o ensina, não será preciso mais nada, neste mundo de nulidades… Mas, o que não se ensina, e acho até que não há necessidade de se ensinar, é que o tabaco não causa nada disso em muitas outras pessoas. O complicado mecanismo fisiopatológico de câncer, falo do câncer porque, não fora ele, a situação seria diversa, não está de todo esclarecido; portanto o tabaco surge, neste canário, através de deduções aproximadas, de relação de causa e efeito. A natureza histológica do carcinoma de pulmão do fumante é a mesma do carcinoma de pulmão do não fumante, penso. São exatamente a mesma coisa! Mas os estatísticos demonstram, contudo, que quem fuma tem maior chance de desenvolver o câncer de pulmão. Não vamos, por precaução, duvidar deles, e se esqueçam, por favor, que, segundo eles mesmos, todos os brasileiros comem, em média, um frango por semana… O produto da combustão do tabaco, aspirado, faz mal, não há dúvida!

Afirmar, contudo, que o hábito de fumar o tabaco não traz nenhum benefício, é o outro exagero da questão. Ninguém meteria fumaça no peito se isto não lhe causasse algum bem-estar, algum prazer, que é o benefício perseguido pelo fumante; é, em suma, o que lhe basta. Mas isto já não se respeita, porque a sociedade autocraticamente decidiu que ninguém deve fumar, transformando o fumante numa espécie de pária, para o qual olhares desabonadores e resmungos dissimulados são o vale de isolamento e de segregação. É o anátema das minorias…

Se o tabaco é um problema mundial de saúde pública, como demonstraram os representantes de numerosas nações, em recente assembléia da ONU, que aprovaram uma resolução condenando a incauta solanácea, o Brasil tem muito a ver com isto, porque o tabaco difundiu-se pelo mundo a partir  daqui. Antes de 1556, relata Damião de Góis, fora a planta levada do Brasil a Portugal, por Luís de Góis. André Thevet, em 1556, diz que, do Brasil, a levara a Paris, a Catarina de Médicis, antes mesmo de Jean Nicot, que, só em 1559, de Lisboa levara também a Paris, cultivando-a no jardim real, razão porque Lineu lhe daria o nome de Nicotiana tabacum, donde nicotina, etc. Já, em 1556, Hans Staden, em seu livro Viagem ao Brasil, publicou gravuras de índios fumando, em conselho, enormes trabucos de folha de palma, cheias de folhas secas de tabaco, precursão dos nossos modernos charutos, foi o que, no Breviário da Bahia, escreveu Afrânio Peixoto.

“Os nossos antepassados chamavam-lhe pitum, donde pitar, pito, pitada, que é a prise francesa, de tabaco torrado, “tabaco pisado”, tabaco em pó (rapé ou torrado), que se acondiciona em tabaqueira, boceta ou cornimboque, para ser aspirado, pelo nariz. Esse hábito resultou nos lindos lenços chitados, de Alcobaça, em Portugal, próprios para limpar os dedos e o nariz, do tabaco”.

“Os nossos antigos diziam “beber o fumo” por “tragar” a fumaça, como se diz hoje, como ainda também se diz “mascar” fumo, isto é, pô-lo em fragmentos na boca, deglutindo a saliva, que o dissolve. Ainda havia, e há, os que esfregam os dentes com um troço de fumo de corda, para os assear, não sem engolir o que resulta dessa operação, nem sempre limpa”.

É, também, brasileira a acepção pudenda de tabaco, que, por contido na boceta, de inspiração erótica, que, pela troca da primeira vogal, já emprestara nome à genitália feminina, fixando, depois, a significação chula do próprio conteúdo: “tabaco” é essa mesma genitália.  Em Bangüê, de José Lins do Rego, lê-se: “Francelino tinha passado nos peitos a menina de Zé Gonçalo. Ela dera o tabaco.” Daí, “tabaco da Bahia”, que não é o bom fumo do recôncavo, senão a boa genitália das baianas. Somos espirituosos até nessas coisas, que fazer!?

O tabaco sempre dividiu opiniões: defensores e detratores, desde muito, se debateram acerca de benefício e de malefício. Desde logo a Igreja o considerou o único dos modernos pecados mortais, que devia ser ajuntado à lista dos tradicionais. O Padre Manoel da Nóbrega, já em 1550, se abstinha, como os outros jesuítas, “por não se conformarem com os infiéis que muito o apreciam”. O nosso primeiro Bispo, Dom Pero Fernandes Sardinha excomungou ao donatário do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho, por fumar. O papa Urbano VIII estenderia a excomunhão aos religiosos que o fizessem, em 1624, e assim por diante… mais uma vez Afrânio.

O tabaco, queiramos ou não, tem a sua história, que não é somenos, portanto tenham cuidado com essas campanhas, que são mais difamatórias, que educativas. Apontem o crime, sem denegrir o criminoso, porque até o criminoso tem o seu direito protetor.

Num cartaz, reclamo da atual campanha contra o tabaco, a fabricante do cigarro é uma bruxa. Isso não só é de um mau gosto terrível, como um insulto. Já que não se fabricam mais cigarros manualmente, senão em modernas máquinas, que produzem milhares por minuto. De manual restaram os charutos, que são fabricados, via de regra, por mulheres, que com a sua delicadeza manipulam as folhas do tabaco, esticando-as nas suas próprias coxas, para o deleite dos apreciadores do seu produto (Havana, Montecristo, Dona Flor, etc.). Baianas ou cubanas, belas sempre, elas nada têm de bruxa. Aliás, essas campanhas, por não respeitarem as individualidades, por ignorarem a sociologia do tabaco, a sua história, já estão exorbitando do razoável: estão cada vez mais insuportáveis…

Fernando Guedes

30/05/2003

2 Comments

  • Fernando, que você era escritor eu já sabia há muito tempo, mais só agora tive o prazer de conhecer alguns dos seus belos artigos. Continue sempre assim pois o mundo precisa de pessoas com esses pensamento e essa mentalidade. Sou ex-fumante, mais adorei o modo como você descreveu o tabaco. E Gârdenia? Que paixão heim! Parabéns!!

  • С Новым Годом Вас !
    Пусть принесет удачи и счастья !!!

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