fev 9, 2010 - Poligrafia    No Comments

Supremas…

HamletEstou diante da televisão assistindo a uma seção do Supremo Tribunal Federal na qual seus ministros se divergem sobre se recebem ou não uma denúncia contra um senador da República. A decisão, que antes era favorável ao acatamento da denúncia, teve que ser adiada, porque reclamava o voto de um ministro que estava ausente…

Um dos ministros, antes do fim da seção, disse: “depois reclamamos quando acusam o STF de cemitério de processos…”; ao que, franzindo o cenho, retrucou o ministro presidente: “Nem cemitério de processos, nem tribunal de inquisição”! São farpas… de quem, por dever, se toleram, apenas…

Leio, nas Notícias STF: Plenário retifica proclamação de resultado do caso Battisti e esclarece que presidente deve observar o tratado Brasil-Itália”, o que não foi sem as costumeiras tediosas e prolixas discussões… Irritação e nervosismo de quem se apaixona por uma causa e não admite a tese contrária… É uma educação estranha: após o vocativo formal: “Ministro”… lá vem a catilinária. Ao “Vossa Excelência”, segue sempre uma ironia!

Uma criança norte-americana é trazida, à revelia do pai, ao Brasil, pela mãe brasileira, que não mais retornou aos Estados Unidos, e aqui morreu… O pai legítimo, desde então, enfrenta um absurdo processo, para ficar com a guarda seu próprio filho! Depois de apelações e recursos protelatórios, consegue sentença favorável do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro, que determinou a entrega do filho ao pai, que vem, dos Estados Unidos, para levar consigo a criança. Mal saltou do avião, é surpreendido por uma liminar, do STF, suspendendo o efeito da sentença… O menino fica, porque a justiça brasileira é criteriosa… Que justiça é essa estranha, nos seus critérios?!

O Governo italiano apresenta, ao STF, uma questão de ordem, sobre voto no caso Battisti, e, novamente, as ironias… Refazem o acórdão suprimindo frese, para dizer o óbvio: o Presidente da república deve observar o Tratado de Extradição!

Bastou um ministro esclarecer: “o único ponto que precisava ser esclarecido é que, no meu entender, ao contrário do que foi afirmado pela ministra (…), em primeira mão, o ato não é discricionário, porém há de ser praticado nos termos do direito convencional”, para precipitar uma chuva de supremas ironias…

Como querem que o povo entenda, se é que o povo mereça alguma consideração, que uma decisão de uma Suprema Corte – no caso a de extraditar – fique, depois, submetida uma decisão posterior, discricionária, do presidente da República? É a restauração, na República, do Poder Moderador, do Império? Se não é, parece…

“No convento de Santo Antônio, do Maranhão, houve, no começo do Século XVIII, famoso processo-crime, pelos religiosos movido contra… as formigas. A acusação eram “os roubos, que as formigas faziam na despensa da comunidade, minando-a e afastando a terra debaixo dos fundamentos, com que ameaçava ruína”. Foi dado curador às rés, fez-se o autuamento, seguram-se outras diligências, requereram os autores instauração de instância perempta, foram citadas as formigas “em sua própria pessoa”, pelo escrivão do foro eclesiástico… terminando o processo em 20 de junho de 1714.” (Afrânio Peixoto – In Parábolas).

No vilarejo Saint-Julien, na França, em 1587, houve semelhante processo, pelos habitantes intentado contra os gorgulhos… A acusação eram os consideráveis estragos que esses curculionídeos faziam aos vinhedos. O processo chegou ao fim, depois de muita discussão, de apelações, sem nenhum vício de forma, com sentença favorável aos réus. (Luc Ferry – In A Nova Ordem Ecológica).

Divertimento sem graça, de frades desocupados? Naquela época, talvez… Hoje são supremas ironias, como essas que a televisão divulga, todos os dias… de uma justiça que, de tanto transmitir  suas antinomias, não se preocupa em transmitir confiança.

Fernando Guedes

30/12/2009

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