mar 29, 2011 - Poligrafia    6 Comments

Por morrer uma andorinha não acaba a primavera…

Diz o Fado, com acerto. É o que me ocorreu assistindo aos pronunciamentos dos senadores sobre José de Alencar, que morreu hoje…

Pessoa de origem humilde triunfar na vida, prosperar no mundo dos negócios, atuar no mudo político, não é nada incomum, aqui nem alhures. De pequeno negociante a empresário, é a jornada de incontáveis brasileiros e de tantos imigrantes que aqui triunfaram.

De uma pequena vila do sul italiana, no final do século XIX, pousou aqui uma dessas andorinhas… Francisco Matarazzo. Perdida a carga de banha que trazia, se estabelece em Sorocaba, com pouco dinheiro, e começa sua senda, que chegaria à fundação do maior complexo industrial da America Latina do início do século XX: Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, de quem meu pai, negociante de tecidos, comprava os melhores produtos…

José de Alencar foi isto: trabalhou, lutou, empresariou, produziu capital, que bem investido reproduziu… Não conseguiu ser governador do seu Estado, que o elegeu, depois, para o Senado. Sua obra parlamentar é o contrario da sua obra empresarial. Aderiu a Lula e se tornou vice-presidente da república. Em oito anos de mandato se declarou contrário à política dos juros altos, abertamente pela imprensa, mas não cuidou de determinar a baixa deles em nenhuma das ocasiões que assumiu a presidência, quando podia, portanto, praticar o que pregava. Por fidelidade, preferiu a ética do resultado (teleológica) à do princípio (deontológica).

Sua luta contra a doença é algo que precisa ser contada sem o véu heroísmo tupiniquim, com que a imprensa sensacionalista orna seus semideuses. José de Alencar possuía todos os recursos que o permitiam enfrentar o mal, com as mais avançadas técnicas disponíveis nos melhores centros médicos do Brasil e do exterior, seja por sua posição social de cidadão rico ou pelo cargo que exercia. Se o paciente em questão tivesse que enfrentar o que enfrenta, todos os dias, o cidadão comum, que tem que amanhecer nas filas dos hospitais públicos para conseguir um atendimento, que pena para fazer uma ressonância magnética, malgrado seu contagiante otimismo, não teria resistido o quanto resistiu. Não teria sobrevivido o quanto sobreviveu. Herói é o José anônimo que nuca chegará à posição do notável Alencar.

José de Alencar, honrado cidadão, exemplo de que é possível vencer pela honestidade das atitudes e da ação empreendedora, esta longe de ser herói. Foi uma andorinha que morreu… Por morrer uma andorinha não acaba a primavera.

Fernando Guedes

29/3/2011

 

6 Comments

  • Amigo Fernando

    As pessoas publicas valem, invariavelmente, mais mortas do que vivas. Assim acontece com os politicos, que viram santos; com os pintores, cujas telas passam a atingir valores de mercado infinitamente maiores, etc…
    Não nego o valor do empresario Jose Alencar, e concordo integralmente com o seu comentário sobre a sua inação quanto aos elevados juros. Acho que ele fez muito proselitismo. Tambem não posso aplaudir o fato de ele ter se negado a fornecer material para exame de DNA em uma ação de paternidade que corre contra ele na justiça, alem de ter influido para o veto de Lula num projeto de lei que estabelecia a presunção da verdade em casos de recusa de reu em fornecer material para exame de DNA. Alem disso, é bom que se diga, ele pediu para ser cremado, o que como leigo acho que inviabilizara, ou ao menos dificultara o citado exame. Igualmente, acho que não podemos esquecer, o que a imprensa parece que ja esqueceu, o que aconteceu com uma autuação fiscal de valor mais do que expressivo contra a COTEMINAS. Abraço Maronna

  • Fernando,
    apesar de já conhecer sua opinião a esse respeito e concordar plenamente, fico feliz em constatar que você continua atento às questões relevantes e sempre convidando os visitantes do seu blog a uma visão não institucionalizada dessas questões.

  • Fernando

    Concordo plenamente com você, se fosse um pobre que dependesse do SUS não teria sobrevivido por tanto tempo.

    bjs

    Hilca

  • Fernando
    já tive o prazer de conversarmos sobre a representação no imaginário da população brasileira da figura do José de Alencar.
    Para mim, o que ficou deste empresário e homem público foi sua grande coragem e generosidade ao lidar com temas como a doença, a morte, ou mostrar aos incrédulos que pode existir um grande empresário que considera a sua empresa antes de tudo um bem da comunidade, do povo brasileiro.
    sua história de vida, personalidade forte e alegre e sua determinação são características que vão ficar para todos como exemplo de um brasileiro que colocou seus valores acima de questões puramente ideológicas, sendo por isto reconhecido como uma destas ( poucas ) pessoas que conseguem construir pontes e transitar pelos diversos fragmentos de nossa sociedade, sendo acolhido e admirado pelo povo pelo apreço a valores mais elevados, que podem unir toda uma nação.
    Seus problemas pessoais e lacunas na atuação parlamentar não diminuem, em minha opinião, a boa lembrança que ficará de sua pessoa.

  • Amigo Fernando:

    ‘EM TERRA DE CEGO QUEM TEM UM OLHO É REI”

    Seu artigo sobre José de Alencar é interessante pois, com realismo, você comenta a trajetoria, morte e endeusamento, pelos meios de comunicação, do nosso ex-Vicepresidente.
    É certo que existiram e existem muitos Alencares e muito mais, Josés. Entretanto, esse do qual estamos comentando teve projeção empresarial e política , razão de aparecer na mídia com grande frequência e destaque. A sua luta contra o câncer, com todas as “armas” disponíveis no mundo e das quais poucos Josés imagiam existir e muito menos dispor, foi realçada pela aparente aceitação tranquila da doença, submissão aos mais variados tratamentos, humor, religiosidade, ou seja, sua luta pela vida. Como todo vivente, teve suas falhas das quais considero a negação de fazer o exame do DNA como a maior. Concordo que jamais foi um heroi mas, na terra dos Ronaldinhos, dos Senas, das Martas, das Hortências e de muitos outros o nosso José de Alencar tem lugar de destaque. O povo tem necessidade de HEROIS e os meios de comunicação cuidam de apresenta
    -los, com os costumeiros exageros. O que dizer de nossos “hermanos”que consideram Maradona um heroi nacional?
    Resta às pessoas com discernimento, dar a “Cezar o que é de Cezar”.

    “CADA POVO TEM O QUE MERECE”

    Paulo Tôrres.

  • Por sorte este “post” está no ar, já que o comentário de Ucho Haddad em “http://ucho.info/” foi retaliado quando criticou Alencar. Usei a palavra “POR SORTE”, porque se fosse “POR LIBERDADE DE EXPRESSÃO”, os comentários de Ucho Haddad não seriam vetados.
    Ucho denuncia (ou relembra) tintin por tintin a passagem terrena de Alencar, concluindo assim: “Não se pode alçar aos céus com tanta rapidez quem ainda tem contas a acertar com o Criador”…
    Vale a pena conferir o texto: “José Alencar está a caminho da canonização”, que indiretamente apoia sua opinião postada aqui em “Por morrer uma andorinha não acaba a primavera”.

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