Gardênia
Não é a gardenia grandiflora, alva flor, aromática e solitária; o jasmim-do-cabo. Sendo mulher, foi a flor humana que perfumou nossas fantasias juvenis, de um idílio platônico…
Foi na aurora da juventude, lá pela década de 70, que a conhecemos. Ela morava no Barris, numa casa da avenida General Labatut, próxima do hotel onde morávamos eu e Carlinhos, que também caiu de amores por ela. Sua beleza física não era invulgar, o que a tornava uma mulher comum, como tantas que conhecemos, mas irradiava tamanha simpatia que era impossível vê-la apenas com os olhos…
“Formosa, qual pintor em tela fina
Debuxar jamais pode ou nunca ousara;
Formosa, qual jamais desabrochara
Na primavera a rosa purpurina…”
A primeira confissão a se fazer é que nos apaixonamos por ela sem jamais tê-la namorado, e nem temos uma explicação para isso. A mim me parece que nos bastava o amor ideal, e inconscientemente não queríamos correr os riscos do amor real, aquele que impele o amante a não compreender o outro senão como ele gostaria que fosse. Por isso a admirávamos de longe, como se admiram as montanhas, que são sempre azuis.
De seu nome apenas sabíamos o homônimo da flor, e isso nos bastava. De onde era, desconhecíamos. Sabíamos que além dos estudos trabalhava numa companhia de aviação, por onde às vezes passávamos para admirá-la trajando aquela farda azul marinho, que realçava a alvura de sua pele. Era expansiva, alegre, espirituosa, risonha… Nunca a vi mal humorada; sempre sorrindo aquele sorriso franco, que deixava entrever os nitentes dentes, que semelhavam um colar de pérolas finas…
“Teu nome foi um sonho do passado;
Foi um murmúrio eterno em meus ouvidos;
Foi som de uma harpa que embalou-me a vida
Foi um sorriso d’alma entre gemidos!
Carlinhos sempre foi homem de muitos amores, e sua fidelidade a eles sempre me pereceu um tanto quanto infiel, o que não era sem razão, porque a razão de que muito ama é amar sem compromisso de posse, dar ao amor a liberdade voar de coração em coração sem ter a obrigação de aninhar-se em nenhum. Os grandes amantes só são fieis aos amores ideais, aqueles projetados na volúpia do espírito, por isso posso afirmar que o meu primo adotivo, sendo o que é, deve continuar fiel ao amor por Gardênia, como eu continuo, no plano da reminiscência, prisioneiro desse amor…
“Sonho de amor, estrela peregrina
Por céus onde se azula a primavera,
Rosa ideal de um Éden, que imagina
Quem se refoge na mais alta esfera…”
A vida nos rolou pelo inexorável declive do tempo, cada um seguiu o seu destino e a perdemos de vista. Que aconteceu a ela? Não o sabemos… Guardamos dela apenas a lembrança das horas de efêmera convivência, onde só tínhamos a preocupação de admirá-la, de nos deixar contaminar com a sua irradiante alegria, e nos embriagar com o perfume dessa flor-mulher que não nos sai da memória…
“O que é da minha gardênia,
Que é da minha branca flor?
Agora quem terá pena
Deste amor órfão de amor?
Dá-me a minha flor, morena,
Aquela branca gardênia…”
Fernando Guedes
Janeiro, 1999