jul 31, 2000 - Poligrafia    No Comments

Carvão: Prosperidade ou Inconsciência Ecológica?

Revista de ocasião, publicada pela Prefeitura Municipal de Riacho de Santana, em agosto de 1999, referindo-se à economia do município, informa que com o declínio da atividade algodoeira “verificou-se a intensificação da pecuária e o desenvolvimento de outras atividades, como por exemplo a produção de carvão, que confere ao município um indesejado lugar de destaque no processo de desamamento do estado”. Posto que oficial, e partindo de onde partiu, esta denúncia é insuspeita. O que é estranho é o silêncio em torno dela, que compromete a sociedade riachense de cabo a rabo.

É oportuno fazer logo um reparo. A queimada vem de longe, aqui, já antes do descobrimento, os índios a praticavam para afugentar animais selvagens da taba. Com o machado introduzido pela civilização, o método se propagou, pelas mãos dos exploradores da nova terra, que o aprenderam com os árabes, que talaram a Ásia Menor e norte da África, chegando à Europa. Na península ibérica, com eles se ilustram os portugueses. Eis como diplomamos os nossos primeiros fazedores de desertos!

Em Riacho, no raiar do século XXI, quadra em que a consciência ecológica já domina as atitudes dos povos civilizados, a queima da mata subsistente para produção de carvão é a principal atividade econômica, com a qual está toda a sociedade envolvida. E o mais grava em toda esta desinteligência, que sustenta a prosperidade momentânea, de alguns poucos, porque o resto é dela vítima, é defendida por homens que cursaram universidades, e por autoridades que deviam combatê-la. Pessoa insuspeita, posto que envolvida com ela, segredou-me que o negócio de ATFs é coisa vulgar na cidade, e que havia um conluio entre os carbonários e os propostos do IBAMA, que sempre fizeram vistas grossas diante dessa agressão ecológica contra o município.

Com efeito, a coisa rola tão acintosamente que, para constatá-la, é só contar no número de carretas envolvidas no transporte do carvão, de fornos espalhados por todo o município, ou pesquisar junto ao fisco estadual o montante da sonegação de impostos. Na região da Moita, por exemplo, depoimento de possa idônea atesta que a poluição atmosférica pelos fumos da queima de madeiras é impressionante.

Acostumada com as muletas  dos empréstimos subsidiados, que consumiram milhões e milhões do erário, e que sempre eram desviados para atividades estranhas à agricultura, com as liberações facilitadas dos pró-agros, essa incapaz sociedade, tendo a fonte secada, vale-se hoje dessa atividade predatória, prejudicial ao meio ambiente, destruidora de ecossistemas sensíveis, sem ser incomodada pelas autoridades que têm o dever de evitá-la. Pensando bem, é muita ingenuidade minha pensar que numa sociedade comprometida com toda espécie de desmando se possa esperar alguma atitude de suas autoridades, que não estão em acordo com o senso prático e imediatista de sua gente. Quando a educação de uma sociedade não é capaz de permitir a elaboração da consciência de preservação o seu patrimônio cultural, certamente não lhe permitirá a geração do sentimento de apreço pelo meio ambiente.

Recentemente, uma partida de bobinas de cabo de alumínio, que uma indústria brasileira exportou para Dinamarca, foi toda devolvida, porque uma inspeção de recebimento constataou, naquele país, que a madeira, com a qual foram feitos os carreteis, era de mata nativa, que para eles é inadmissível. A isto se chama consciência ecológica, condição sem a qual a sobrevivência da humanidade tornará impossível neste planeta, se ela não começar a preservar suas matas, suas fontes d’água, sua camada de ozônio, sua biodiversidade. Se o “burguezinho carbonário” ficar pensando apenas no seu bem estar momentâneo, e perseverar nesta atividade nefasta, está muito enganado, porque depois ele irá perceber que a sua consciência vale menos que o carvão que produz ou trafica.

Quando o interesse do mundo – o dinheiro – está envolvido, é difícil crê nas atitudes de uma sociedade corrompida, portanto, enquanto assistimos ao clarões das queimadas, recitemos de Castro Alves:

Então passa-se ali um drama augusto…

N’último ramo do pau-d’arco adusto

O jaguar se abrigou…

Mas rubro é o céu… Recresce o fogo em mares…

E após… tombam as selvas seculares…

E tudo se acabou!…

 

Fernando Guedes

Julho/2000

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